O Ministério da Fazenda divulgou na semana passada um relatório que, entre outras coisas, sugeria ao governo Bolsonaro acabar com o abono salarial (PIS/Pasep) e rever o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos ou deficientes pobres. Mas isso pode ser feito imediatamente pelo governo ou precisa passar pelo Congresso ou mudar a Constituição?
O abono salarial é um pagamento anual para quem se enquadra em critérios como ter trabalhado com carteira assinada por ao menos 30 dias e ganhar no máximo dois salários mínimos. O atual governo sugere a extinção do abono “por representar um programa que beneficia população distante da pobreza extrema”, já que quem recebe são pessoas que estão empregadas e no setor formal.
O BPC é um benefício para quem tem baixa renda (idosos ou deficientes físicos). Sobre ele, o relatório diz que o benefício representa “custo mais elevado, alto nível de judicialização e menor focalização nos pobres, quando comparado com outros programas sociais, como o Bolsa Família”.
Mas dá para extinguir ou mudar esses benefícios, como sugeriu a Fazenda? Qual seria o caminho que o novo governo precisaria percorrer? Entenda:
Abono salarial
O que é: Abono salarial do PIS/Pasep é um pagamento anual para quem atende todos os seguintes critérios:
- Trabalhou com carteira assinada por pelo menos 30 dias no ano;
- Ganhou, no máximo, dois salários mínimos, em média, por mês;
- Está inscrito no PIS/Pasep há pelo menos cinco anos;
- A empresa onde trabalhava informou seus dados corretamente ao governo
O valor máximo pago é de até um salário mínimo (R$ 954, em 2018) e varia de acordo com o tempo em que a pessoa esteve empregada.
Quantos são beneficiados e quanto custa para o governo?
No exercício de 2017/2018, o Ministério do Trabalho estimou um gasto de R$ 16,6 bilhões para beneficiar 24,5 milhões de pessoas. Quem não faz o saque no prazo fica sem o dinheiro, que vai para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
O que precisaria ser feito para acabar com o abono?
O pagamento do abono salarial do PIS/Pasep é garantido pela Constituição Federal. O PIS e o Pasep são contribuições feitas por empresas públicas e privadas que vão para o FAT. É esse fundo que paga o abono salarial e o seguro-desemprego, por exemplo. Parte do dinheiro arrecadado também é destinada ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Para extinguir o pagamento do abono, o governo teria que conseguir a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) no Congresso, que tem um caminho mais rigoroso. A proposta teria que passar por dois turnos de votação na Câmara e dois no Senado, além de conseguir três quintos dos votos em cada uma das Casas (308 votos na Câmara e 49 no Senado).
Se o governo quiser fazer outras mudanças (como mudar o cálculo dos valores), é possível evitar a PEC. Segundo o especialista em direito constitucional e professor universitário Marcus Vasconcellos, dá para fazer outras mudanças por projeto de lei ou por medida provisória. Nesses casos, é uma votação na Câmara e outra no Senado por maioria simples dos votos (metade mais um).
A mudança por MP já foi utilizada anteriormente. No final de 2014, a ex-presidente Dilma Rousseff alterou o valor de pagamento do abono, que antes era sempre de um salário mínimo, independentemente do tempo trabalhado, e passou a ser proporcional. A MP foi aprovada pelo Congresso em 2015 e transformada em lei, sem mexer na Constituição.
Alterar novamente forma de pagamento não ajudaria, diz especialista
Para o pesquisador sênior da área de economia aplicada do FGV Ibre (Fundação Getulio Vargas/Instituto Brasileiro de Economia) Manoel Pires, mesmo que o governo fizesse novamente alguma alteração na forma de pagamento do abono não haveria grande economia.
“Isso já foi feito. Se fizer de novo, a economia seria pequena. É preciso avançar em vários temas de forma simultânea. No caso do abono, é um 14ª salário. Talvez fosse melhor investir em quem está desempregado. Ele não protege quem mais precisa.”
Já para o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) Clemente Ganz Lúcio, o abono foi criado para compensar o salário mínimo baixo.
“Esse abono ajuda a compor a renda dos assalariados e tem um impacto importante na economia. Há gente mais pobre? Sim. Mas não quer dizer que essas pessoas que recebem o abono têm renda alta. Agora, vai tirar de quem tem salário baixo para dar para quem está na miséria? Prefiro tirar dos ricos.”
BPC (Benefício de Prestação Continuada)
O que é: É um benefício assistencial para pessoas de baixa renda. Têm direito:
- Idosos: com 65 anos ou mais
- Pessoas com deficiência: qualquer idade. É preciso comprovar impedimentos de, no mínimo, dois anos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial
É preciso que a renda por pessoa da família (do idoso ou do deficiente) seja menor do que um quarto do salário mínimo vigente (R$ 238,50, em 2018).
O valor do benefício é de um salário mínimo (R$ 954, em 2018). Por se tratar de um benefício assistencial, não é necessário ter contribuído ao INSS. O segurado não recebe 13º salário e não deixa pensão por morte.
Quantos são beneficiários e quanto custa para o governo?
Segundo o último Boletim Estatístico da Previdência Social, com dados de outubro, 4,6 milhões de pessoas recebiam o BPC naquele mês, recebendo um valor total de R$ 4,4 bilhões.
O que precisaria ser feito para alterar o BPC?
A reforma da Previdência de Michel Temer incluía mudanças no BPC. A proposta inicial era aumentar a idade mínima para 70 anos e desvincular o BPC do salário mínimo. Porém, o tema não avançou.
O BPC está previsto no artigo 203 da Constituição, que há a garantia de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de se sustentar ou serem sustentados por sua família. Porém, os detalhes do BPC como idade e a linha de pobreza estão na Lei Orgânica da Assistência Social, conhecida como Loas.
Segundo o consultor legislativo Pedro Fernando Nery, para mudar o valor do benefício, o governo precisaria enviar uma PEC. Já a idade mínima e a linha de pobreza poderiam ser alteradas por projeto de lei ou medida provisória.
Para Vasconcellos, aumentar ainda mais a idade poderia gerar mais processos judiciais. Para evitar isso, o governo teria que fixar a idade mínima na própria Constituição, e isso só é permitido por meio de PEC.
Especialistas defendem benefício
Para a advogado João Badari, endurecer as regras do BPC seria deixar de dar assistência a uma parcela da população que necessita de ajuda financeira. “Isso seria desumano. A gente não sabe o que vai acontecer, mas se aumentar em mais cinco anos a idade mínima, por exemplo, imagina quem já está na miserabilidade. Teria que aguardar mais cinco anos para começar a receber o benefício. Essa pessoa não sobrevive.”
Para Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), a lei criou critérios diferentes de pobreza para cada programa social, e isso também gera um número grande de ações na Justiça. Ele afirma que, apesar de o BPC e o Bolsa Família serem benefícios para quem tem baixa renda, são para públicos diferentes.
“No BPC, além de seguir o critério da miserabilidade, há a questão da idade ou da deficiência. É diferente do Bolsa Família. O BPC pode não ter o mesmo alcance em distribuição, mas não significa que tem de extingui-lo. É preciso ter um rigor maior para identificar quem está recebendo irregularmente em vez de acabar ou estabelecer um valor menor.”
Mudanças exigem esforço nas negociações, dizem especialistas
Rodrigo Salerno, especialista em direito trabalhista e professor do CEU Law School, afirmou que as mudanças vão exigir negociação política.
“No aspecto econômico para a União, as mudanças seriam extremamente vantajosas. Entretanto, nesse momento, há base suficiente para alterar ou propor mudanças com impacto grande em uma camada da população tão volumosa? A revisão das regras dos dois benefícios demandaria consenso muito grande da bancada, principalmente do Centrão.”
Marcos Antônio de Andrade, professor de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, concorda. “É uma questão política. O novo governo, nesse período de transição, pode fazer negociações para ter, de alguma forma, apoio parlamentar para a aprovação dessas medidas. As discussões não são técnicas, são políticas”, disse.
Vasconcellos disse ainda que nos dois casos, durante o processo de discussão no Congresso, seria analisado se a extinção do abono ou mudança no BPC não estaria violando alguma cláusula pétrea, que são direitos que não podem ser alterados nem negociados.
“Toda emenda ou projeto de lei precisa passar por uma Comissão de Constituição e Justiça. O principal papel é dar um parecer dizendo se a proposta é constitucional ou não. E, mesmo em vigor, ainda existem instrumentos para questionar.”
Fonte: UOL
Créditos: UOL