Não havia nenhuma informação sobre o homem faminto e sujo que se rendeu em um remoto posto de controle pertencente aos aliados curdos dos EUA no deserto sírio. Nada que indicasse seu importante papel nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, em que mais de 2.900 pessoas morreram. Ele mancava por causa de ferimentos em ambos os joelhos, sua barba estava emaranhada e cheia de piolhos, e ele fugia do Estado Islâmico.
Depois que ele se identificou e foram feitas as verificações, a confirmação veio: era Mohammed Haydar Zammar, o homem que recrutou os sequestradores que realizaram os ataques. Em sua primeira entrevista desde 2001, conduzida na presença dos guardas curdos que o mantêm em uma prisão na cidade síria de Qamishli, Zammar relatou sua excepcional jornada.
Em sua primeira entrevista a uma agência de notícias dos EUA desde 2001, conduzida na presença dos guardas curdos que o mantêm em uma prisão nos arredores da cidade síria de Qamishli, Zammar relatou sua excepcional jornada. Sua história demonstra até que ponto a ameaça terrorista em constante evolução continua a afetar os Estados Unidos e tem sido, em grande medida, sustentada por um núcleo de militantes islâmicos que envelhecem e cresceram na órbita de Osama bin Laden.
A família de Zammar mudou-se para a Alemanha quando ele tinha 10 anos, e ele primeiro tentou participar de conflitos armados em 1982. Ele viajou para a Jordânia em uma tentativa de entrar na Síria para aderir ao braço armado da Irmandade Muçulmana, a Vanguarda de Combate, que estava envolvida em uma revolta contra a família Assad. Ele foi rejeitado pelas autoridades jordanianas, mas na viagem conheceu um homem que teria um grande papel em seu futuro: Mohammed al-Bahaiya, conhecido como Abu Khaled al-Suri, que mais tarde se tornaria uma figura chave na atual guerra síria.
Atualmente com 57 anos, Zammar, que possui dupla nacionalidade, síria e alemã, é uma sombra do homem corpulento e barulhento que já ensinou jovens muçulmanos na mesquita de al-Quds, em Hamburgo, sobre seu dever em travar a jihad em nome dos muçulmanos em todo o mundo e viajar para o Afeganistão para treinamento militar.
O primeiro membro da célula de Hamburgo foi Ramzi Binalshibh, um cidadão iemenita hoje detido em Guantánamo por suspeita de envolvimento na trama do 11 de setembro. Em seguida, ele conheceu Mohamed Atta, o líder dos sequestradores, que pilotou o primeiro dos dois aviões que atingiram as torres do World Trade Center. Zammar lembra de Atta como um “bom rapaz” com “elevados padrões morais”.
Depois vieram os outros: Marwan al-Shehhi, um cidadão dos Emirados Árabes Unidos que dirigiu o avião que atingiu a segunda torre; Ziad Samir Jarrah, o libanês que pilotou o avião que caiu em um campo da Pensilvânia depois que os passageiros dominaram os sequestradores; e outros quatro do grupo que Zammar também convenceu a viajar para o Afeganistão.
“Não foi fácil. Levou tempo. Eles estavam estudando na universidade”, disse ele. “Eu dizia a eles que alguém vai atacar você, sua honra, sua propriedade, enquanto você não pode nem usar uma pistola. Não há país no mundo que não tenha um exército para se defender, enquanto nós muçulmanos não temos.”
As viagens e os contatos de Zammar despertaram as suspeitas das autoridades alemãs, que alertaram a CIA e começaram a monitorar seus movimentos e telefonemas. Mas ele continuou a viajar bastante. Quase no final de 1999, Zammar fez outra visita ao Afeganistão, que coincidiu com a primeira visita ao país de Atta e de outros membros da célula de Hamburgo – e levando consigo a proposta de derrubar aviões contra edifícios americanos, segundo os investigadores.
Foi nessa viagem, ele diz, que ele teve seu único encontro com o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, de quem lembra com reverência. Ele especula que Bin Laden convocou-o para um encontro por causa de sua associação com os homens que estavam sendo preparados para os ataques de 11 de setembro e queria investigá-lo.
Zammar continua a negar qualquer conhecimento prévio da trama do 11 de setembro. “Deus sabe, e com toda a honestidade, eu não sabia nada sobre o ataque de 11 de setembro. Eles não me disseram nada”, disse ele.
Três meses após os ataques, ele sumiu de vista. Durante uma visita ao Marrocos, ele foi preso pela polícia marroquina e deportado para a Síria. Na época informou-se que a CIA teria desempenhado um papel em sua apreensão e transferência, mas Zammar diz que não se lembra de ter encontrado americanos durante o processo.
Nos 12 anos seguintes, ele foi mantido na notória prisão de Sednaya, na Síria, perto de Damasco, onde ele diz ter sido torturado e mantido em confinamento solitário por meses a fio. Em 2008, foi condenado a 12 anos de prisão, não por sua associação com a Al Qaeda, mas por pertencer à Irmandade Muçulmana declarada ilegal.
Em 2013, ele foi libertado junto com seis outros islamistas em uma troca de prisioneiros por oficiais do exército sírio negociada por seu velho amigo Bahaiya – Abu Khaled al-Suri – que se mudou para a Síria e se tornou uma importante figura no grupo de oposição salafista Ahrar al-Sham. Ele foi morto em um bombardeio um ano depois, que se suspeita ter sido realizado pelo Estado Islâmico.
Uma vez liberado, Zammar decidiu se juntar ao recém-formado Estado Islâmico. Na prisão, havia conhecido vários dos líderes do grupo, libertados pelo governo de Assad em trocas anteriores de prisioneiros. Esses associados o ajudaram a garantir uma série de empregos relativamente pequenos nos departamentos do Estado Islâmico, fornecendo alimentos para reuniões, mediando disputas domésticas e supervisionando a limpeza de instalações.
Como o Estado Islâmico foi firmemente expulso das vastas áreas que controlava na Síria e no Iraque, Zammar moveu-se com os combatentes em sua retirada, evitando os ataques aéreos americanos ao longo do caminho.Agora ele definha em outra cela de prisão, ao lado de cerca de 30 outros prisioneiros do Estado Islâmico sendo mantidos pelos curdos. Os curdos dizem que gostariam de se livrar dele e de todos os prisioneiros do Estado Islâmico em seu poder. Zammar diz que gostaria de retornar à Alemanha para se reunir com sua primeira esposa, que ele disse não ver desde 2001.
Quando a entrevista terminou e Zammar foi levado embora, ele ainda estava falando, protestando contra as injustiças do mundo e dizendo que tinha uma mensagem para o presidente Trump, os líderes da Europa e qualquer outra pessoa com um cargo. “Vocês devem temer a Deus. Vocês devem temer o seu criador. Eu juro que eles serão julgados por Deus”, disse ele, enquanto voltava para sua cela.
Fonte: Estadão
Créditos: Liz Sly