A sobrevivente do Holocausto Miriam Brik Nekrycz, de 86 anos, morreu no último domingo, 18, em São Paulo. Nascida em Lutsk, na Ucrânia, ela veio ao Brasil após perder a família inteira na Segunda Guerra Mundial.
No País, Miriam se casou com Ben Abraham e constituiu uma nova família, além de se dedicar à preservação da memória da guerra por meio de palestras. “Procuro sempre lembrar do que aconteceu para que não aconteça nunca mais.”
Mais velha de uma família com quatro crianças, Miriam tinha 9 anos quando os alemães invadiram a cidade onde morava, no Leste da Polônia, que vivia sob o regime comunista e se localizava perto da fronteira com a União Soviética. “Na noite de 22 de junho de 1941, acordamos com um estrondo terrível. A casa tremia, as coisas voavam e os vidros quebraram. E não sabíamos o que estava acontecendo.”
“As pessoas que tinham condições, fugiam para a União Soviética”, afirmou em uma palestra. “Mas nós fomos para uma aldeia próxima na cidade. Já tinha muita gente por lá. Os aldeões nos vendiam água e pedaços de pão por um preço muito alto.”
Não demorou para que os nazistas tomassem o controle. Segundo Miriam, os alemães afixavam decretos nas paredes, e os judeus eram forçados a acatar. “Saiu um decreto dizendo que os homens de 16 a 60 anos deviam se apresentar para trabalhar. Eles acharam bom e foram.” Miriam só soube após o fim da guerra que todos os 3 mil homens da cidade que se apresentaram foram mortos no mesmo dia.
“Nós estávamos morando de favor com minha avó junto com outras duas famílias. A gente passava uma fome terrível, porque os alemães nos permitiam comprar somente 80 gramas de pão por dia.”
Miriam e a família tiveram que se mudar para os guetos. Ficaram na casa lotada de uma tia. “Eu dormia em cima de um baú arredondado. Eu caía toda hora”, lembrou. Com a ajuda de alguns católicos, conseguiram ir para uma cidade mais tranquila. “Havia uma igreja no perímetro do gueto Os católicos iam lá todos os domingos”, contou. “Eles [os católicos] nos esconderam na carroça e passamos pela guarda.” A vida de Miriam, porém, continuou turbulenta. “Como uma ventania, os alemães chegaram na cidade onde estávamos e o sofrimento começou tudo de novo.”
Sem nenhuma experiência, a mãe e a tia de Miriam começaram a trabalhar de graça na fazenda de um alemão que morava na Polônia porque acreditavam que teriam mais chances de sobreviver se trabalhassem. Enquanto as mulheres carpiam a terra, Miriam e a prima eram responsáveis por levar o almoço, que consistia em uma papa de farinha com água.
No verão, fugiram após saberem que os alemães estavam levando os judeus para fora da cidade. Foram para uma floresta, onde cavaram um buraco para se esconder. Miriam e a prima ficaram encarregadas de ir na casa de camponeses em busca de alimento, já que as mulheres corriam o risco de serem reconhecidas. Às vezes, as duas meninas ganhavam os restos de comida destinados aos porcos. Mas também ouviam coisas como: “Ô, judia, você ainda está viva? Vou chamar os alemães”.
Em uma dessas buscas por comida, Miriam bateu na porta de Stefânia, cujo marido havia servido no exército soviético contra os nazistas. Stefânia propôs que a menina, então com 10 anos de idade, trabalhasse na casa, cuidando de um bebê e dos animais. A mãe de Miriam ficou muito contente e recomendou que a menina aceitasse a proposta imediatamente. Em troca, Miriam tinha uma moradia e podia levar comida para a família, que permanecia na floresta.
Um dia, ouviu gritos e choros a caminho do local onde a família estava escondida. Ao se aproximar, viu homens fardados de azul-marinho (ucranianos) e de verde (alemães). Ela tropeçou e caiu. O barulho emitido fez com que os soldados começassem a atirar. Nenhuma bala atingiu Miriam, mesmo assim, desmaiou. Quando acordou, todos já estavam mortos.
Veio para o Brasil porque descobriu que tinha parentes por aqui.
“Um milhão e meio de crianças judias foram exterminadas durante o Holocausto. Quis o destino que eu, uma das poucas, fosse salva”, escreveu em seu livro “Relato de uma vida”. “Se eu fui preservada apenas para presenciar a derrota nazista, sentir o gosto supremo da liberdade e ver a vitória sobre a opressão e a morte, isto bastaria para eu me considerar feliz.”
O enterro está marcado para as 11h desta segunda-feira, 19, no Cemitério Israelita Butantã.
Fonte: Estadão
Créditos: Estadão