Com dez postos de saúde e cobertura a 100% de seus 27 mil habitantes, a cidade teme sofrer uma espécie de “apagão médico” com o encerramento do contrato com Cuba no programa Mais Médicos.
A situação deve se repetir em outras cidades do Nordeste, região que recebeu grande parte dos cerca de 8.500 médicos cubanos do programa.
Por ficarem em regiões isoladas e distantes dos grandes centros, os municípios têm dificuldades de contratar médicos brasileiros.
Somente na Bahia, há 846 médicos cubanos atuando em 313 municípios, o que equivale a 20% dos médicos que atuam na atenção básica. A saída deles fará com que a cobertura de atenção básica no estado caia de 63% para 43%.
“Voltaremos para um patamar de oito anos atrás. São quase 3 milhões de baianos que ficarão sem médico”, afirma Cristiano Soster, diretor de atenção básica da Secretaria de Saúde da Bahia.
Ela afirma que há poucos dias recebeu uma carta informando que o contrato seria encerrado e que retornaria para Cuba. Ela diz temer pelos seus pacientes, em sua maioria pequenos agricultores.
“Há pessoas que têm doenças crônicas como diabetes, hipertensão e precisam de atendimento continuado. Não dá para parar”, afirma.
Ela refuta os argumentos do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), de que eles estariam fazendo trabalho escravo. Ela diz que o dinheiro que recebe é suficiente para se manter no Brasil e ajudar a mãe e a filha em Cuba: “Para a gente, vale a pena”, diz.
A médica Virgínia Trejo, 49, que atende na cidade de Dias D’Ávila (a 55 km de Salvador) também lamenta o fim do contrato e os questionamentos feitos sobre a formação dos médicos cubanos.
“A gente salvou muita vida aqui”, afirma a médica, que atua há 25 anos na profissão, sendo os últimos quatro deles no Brasil. Por outro lado, Virgínia afirma que está feliz pela possibilidade de voltar para perto da família.
Já o médico Younier Rivera, 34, fará o caminho inverso. Ele atende há cinco anos em Águas Belas (a 303 km do Recife), cidade de 43 mil habitantes em que dos 12 médicos, 9 são cubanos —75% do total.
Com uma rotina que começa às 7h e se encerra somente no fim do dia, ele chega a atender 35 pacientes diariamente na zona rural da cidade.
“A aceitação do nosso trabalho é muito grande. O povo ainda não está acreditando no que aconteceu. Querem fazer um abaixo-assinado para a gente continuar”, diz.
Ele é casado com uma brasileira, tem uma filha de dois anos e ainda tinha mais um ano de contrato com o programa Mais Médicos.
Agora, ele afirma que voltará para Cuba para resolver pendências e planeja voltar ao Brasil para viver junto de sua família. “Mas volto desempregado”, lamenta.
No interior de Pernambuco desde 2013, um médico cubano de 36 anos, que pediu para não ser identificado, diz que o fim do programa é uma das páginas mais tristes da história do Brasil. Segundo ele, em conversas com outros médicos cubanos, a preocupação com o futuro do programa, que já era grande, cresceu com a eleição de Bolsonaro.
O profissional observa que o Mais Médicos deixou vínculos importantes na relação com os pacientes. Segundo ele, os médicos criaram um vínculo muito forte com a população atendida, que ele vê como uma população necessitada.
Outro médico que também integra o programa disse que ainda não sabe o que vai fazer, por ter sido pego de surpresa. Após ter criado uma vida nova no Brasil, não sabe como será o futuro e o que irá fazer.
No estado de Pernambuco, há mil vagas do programa Mais Médicos. Metade delas é preenchida por profissionais cubanos. Grande parte dos médicos atua no interior. Muitos deles renovaram o contrato com o programa no início deste ano.
Fora da região Nordeste, a saída dos médicos cubanos do programa terá maior impacto em áreas indígenas e nas periferias de grandes cidades, sobretudo em regiões conflagradas, onde muitas vezes os cubanos são os únicos que se colocam à disposição para atender a população.
No estado do Rio, dos cerca de 600 profissionais do Mais Médicos, 224 são cubanos. Eles atendem em 48 municípios, incluindo áreas de risco na capital, como favelas dominadas por grupos armados.
Os médicos atendem em clínicas da família ou postos de saúde nos municípios. A expectativa é que 672.000 pessoas podem ser afetadas pela medida no estado do Rio.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: João Pedro Pitombo e João Valadares