Desde as eleições que elegeram o presidente americano Donald Trump em 2016, a expressão fake news se espalhou mundialmente. Com a popularização dos computadores e smartphones, boa parte da população brasileira tem acesso a redes sociais, como Facebook e WhatsApp, diariamente e se tornou alvo de uma avalanche de notícias falsas disparadas a todo momento.
Mas além de receber e acreditar em memes, fotos, vídeos e textos falsos, parte da população também compartilha esses arquivos com amigos, familiares e até mesmo em grupos de pessoas desconhecidas. Afinal, por que tanta gente acredita em fake news?
Em entrevista à BBC News Brasil, o psiquiatra e diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria, Claudio Martins, afirmou que as pessoas que compartilham notícias falsas experimentam uma sensação de bem-estar semelhante à de usar drogas.
“Quando a pessoa recebe uma notícia que a agrada, são estimulados os mecanismos de recompensa imediata do cérebro e dão uma sensação de prazer instantâneo, assim como as drogas. Ocorre uma descarga emocional e gera uma satisfação imediata. Isso impulsiona a pessoa a transmitir compulsivamente a mesma informação para que seu círculo de amizades sinta o mesmo. Por isso, há os encaminhadores compulsivos”, explica o psiquiatra.
Segundo Claudio Martins, essa sensação de euforia causada pelas notícias falsas impede o desenvolvimento de um senso crítico em quem as recebe. É a “infantilização emocional”, que faz com que poucas pessoas se preocupem em checar a origem ou a veracidade da informação.
O psiquiatra explica ainda que esse movimento causa uma angústia que leva a pessoa a imaginar que é portadora de uma novidade que deve ser contada com extrema urgência. O sentimento, explica ele, é o mesmo quando alguém ouve uma fofoca.
“Ela, então, transmite informações não checadas, capazes de gerar uma curiosidade ampliada em outras pessoas, além de um alto nível de identificação e propagação de conteúdo. O campo da política é muito propício para esse fenômeno. Uma certeza é que as fake news são um fenômeno novo que atrai pessoas com transtornos de personalidade sérios. Ele é muito simplório e vai ser cada vez mais estudado”, afirmou.
Futebol, religião e política
Em uma analogia com futebol e religião, o psiquiatra explica que a política é um assunto tratado como uma crença por parte da população.
“O ser humano tem essa tendência a buscar essas crenças, mágicas. Quando ele recebe correntes de pensamento político, incorpora aquilo como uma verdade absoluta, amplia e divulga para reforçar sua satisfação. Ele usa o mecanismo para compartilhar sem pensar. Muitas vezes, acaba repassando até para grupos que nem tratam do assunto”, afirma.
Assim como no futebol, o psiquiatra explica que a política funciona no cérebreo de parte da população como um sistema de projeção em que o indivíduo se sente como se fosse o próprio candidato. “Se o meu time marca um gol ou ganha um título é como se o gol fosse meu e o título também. É inclusive assim que comento com os amigos”, compara o psiquiatra.
Claudio Martins diz que o problema dessa crença é que as pessoas que recebem informações sobre política não querem saber se são verdadeiras. “Ela age com impulsividade. Não pesquisa, não quer saber quem mandou. Só pensa em dar impacto àquela informação que ela recebeu, como se fosse algo exclusivo, e numa impulsão, ela repassa aquilo como se fosse algo que vai alterar a realidade do mundo.”
“Crença é algo muito difícil de combater, principalmente nos espaços mais radicais. A crença religiosa é tão forte quanto a política, gera uma cegueira. A religiosa não tem evidências científicas, mas para quem crê isso não interessa porque ela não busca evidências que possam comprovar um sentido. A pessoa apenas incorpora aquilo como uma necessidade de ter a idealização de alguém ou grupo político que possa suprir suas carências porque o ser humano é muito carente. Quando a pessoa está necessitada, ela deseja ter um super protetor”, afirmou.
O codiretor do Instituto Tecnologia e Equidade, Thiago Rondon, diz que os produtores de notícias falsas sabem disso e têm dois objetivos como estratégia ao criar suas correntes: gerar medo e emergência. Segundo ele, essa situação de alarde é vital para que as pessoas repassem a informação.
“É necessário tomar medidas estruturais para evitar que essa situação se agrave. Uma delas é que nosso sistema educacional discuta esse tipo de assunto nas escolas. É necessário fortalecer as pessoas com consciência e educação desde cedo. A gente precisa se organizar para se adequar a esse mundo digital. A solução não é bloquear o uso de aplicativos de troca de mensagens, pois esses lugares são excelentes para troca de ideias e debates. Ações asssim são um erro em relação a liberdades”, afirmou.
Ele afirma também que deve haver mecanismos mais eficientes para combater notícias falsas. Um deles é dar ferramentas para que a população as identifique por conta própria.
“É necessário mudar a forma de se comunicar, não apenas negando e desmentndo informações porque elas dificilmente vão ter o mesmo alcance da fake news. Por exemplo, no primeiro turno deste ano um boletim de urna (compartilhado no WhatsApp) mostrava um dos candidatos com mais de 9 mil votos registrados. O TSE poderia divulgar como o eleitor pode ter acesso a esses documentos, usar o aplicativo oficial e confirmar se aquela informação é real”, afirmou Rondon.
Analfabetismo digital e bolhas ideológicas
O diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria diz que a crença em fake news é um fenômeno sociocultural que envolve diversos fatores de alta complexidade. Entre os mais relevantes, ele cita o analfabetismo digital da população brasileira, já que a popularização da internet e a chegada do WhatsApp são recursos novos para boa parte dos cidadãos.
“Isso demonstra claramente uma falha na educação digital que precisa ser corrigida com urgência. Prova que há uma ausência de educação digital no Brasil”, afirmou
Os especialistas ouvidos pela reportagem apontam ainda que a formação de bolhas ideológicas nas redes também facilita a propagação de notícias falsas. O psiquiatra faz uma nova analogia com times de futebol para explicar o fenômeno.
“As pessoas procuram estar perto dos pertencentes aos grupos que se identificam. Isso é natural. Se o cara é palmeirense, ele vai tentar andar com o grupo dos palmeirenses. Isso não tem nenhum problema. O problema é quando a gente perde a capacidade de senso crítico, fica cego, e perde a habilidade de saber se os palmeirenses estão mentindo”, afirmou.
Mas como saber se uma história é fake news?
- Pare e pense. Não acredite na notícia ou compartilhe o texto de imediato.
- Ela lhe causou uma reação emocional muito grande? Desconfie. Notícias inventadas são feitas para causar, em alguns casos, grande surpresa ou repulsa.
- A notícia simplesmente confirma alguma convicção sua? Também é uma técnica da notícia inventada. Não quer dizer que seja verdadeira. Desenvolva o hábito de desconfiar e pesquisar.
- A notícia está pedindo para você acreditar nela ou, por outro lado, ela está mostrando motivos para acreditar? Quando a notícia é verdadeira, é mais provável que ela cite fontes ou dê links ou cite documentos oficiais e seja transparente quanto a seu processo de apuração.
- Produzir uma reportagem assim que eventos acontecem toma tempo e exige profissionais qualificados. Desconfie de notícias bombásticas no calor do momento.
Antes de compartilhar:
- Leia a notícia inteira, não apenas o título.
- Averigue a fonte. É uma corrente de WhatsApp ou de outra rede sem autoria alguma ou link para um site? Desconfie e, de preferência, não compartilhe. Tem autoria? É uma fonte legítima, na qual você já confiou no passado? Se não for, melhor não confiar. Pesquise o nome do veículo, do autor ou da autora no Google e veja o que mais essa pessoa está produzindo e para qual veículo de imprensa. Além disso, preste atenção para averiguar se o site que reproduz a notícia está publicando só notícias de um lado político, por exemplo, mostrando que talvez haja algum viés ideológico. Há no texto referência a um veículo de imprensa, como se fosse o autor da notícia? Entre no site original do veículo de imprensa para verificar se a história está lá de fato.
- Digite o título da notícia recebida no Google. Se for verdadeira, é provável que outros veículos de imprensa confiáveis estejam reproduzindo a mesma notícia; se for falsa, pode ser que veículos de checagem já tenham averiguado o boato. Pesquise nos resultados da busca.
- Pesquise, também, os fatos citados dentro da notícia. Ela se apoia em acontecimentos verificáveis? Por exemplo, se ela afirma que alguma autoridade disse algo, há outros veículos de imprensa reproduzindo o que essa autoridade falou? Tente procurar isso na internet.
- Verifique o contexto, como a data de publicação. Tirar a notícia verdadeira de contexto, divulgando-a em uma data diferente, por exemplo, é um tipo de desinformação.
- Pergunte para a pessoa que encaminhou a notícia de quem ela recebeu, se confia na pessoa e se conseguiu checar alguma informação.
- Recebeu uma imagem que conta uma história? É possível fazer uma busca “reversa”, por meio da imagem, e não por texto, e verificar em que outros sites ela foi reproduzida, o que pode dar pistas de sua veracidade. Salve a foto no seu computador e suba ela no seu mecanismo de busca ou cole a url dela nesse endereço: https://images.google.com/ Se estiver no celular, tente neste site: https://reverse.photos/
- Recebeu um áudio ou um vídeo com informações? Tente resumir essas informações e procurá-las no Google. Exemplo: você recebe um áudio dizendo que no dia seguinte haverá greve de ônibus. Procure no Google: “greve de ônibus” junto com a data. Outra opção é buscar no Google: “áudio greve de ônibus WhatsApp”, por exemplo. Essa busca pode resultar em um desmentido de uma agência de checagens de notícia, se ela não for verdadeira, ou em uma notícia real de algum órgão de imprensa, se for verdadeira.
- Números: a notícia cita números de pesquisas ou de outros dados? Tente procurá-los isoladamente para checar se fazem sentido.
Fonte: UOL
Créditos: Uol