O documentário “Torre das Donzelas”, em exibição na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, apresenta depoimentos inéditos de presas políticas que formavam a ala feminina do Presídio Tiradentes, em São Paulo, durante a ditadura militar no Brasil. Entre as mulheres que passaram por lá estão a ex-presidente Dilma Rousseff, que também participou do projeto comandado pela diretora Susanna Lira.
Mesmo sendo o maior atrativo do longa pela sua popularidade, Dilma divide espaço igualmente com as outras entrevistadas ao revelar com detalhes o cotidiano do presídio que foi desativado em 1972. Entre os temas abordados estão torturas, amizades, descobertas da sexualidade, maternidade, alimentação e a busca pela liberdade. Susanna pediu para que cada uma desenhasse a Torre das Donzelas como elas se lembravam, e a partir dos esboços construiu um modelo fiel ao que foi visto na década de 1960 e 1970.
Em um dos momentos mais impactantes, a ex-presidente relembra os piores momentos das sessões de tortura que aconteciam no local, apontando que o preso não deveria pensar em ficar quieto por 24 horas, caso contrário não aguentaria a pressão e condenaria suas companheiras. Teria que ser aos poucos, pensar em curto prazo. “Eu consigo aguentar mais três minutos, cinco minutos. Tinha que pensar desse jeito”, conta Dilma.
Em outro trecho, Dilma, visivelmente emocionada, afirma que foi justamente neste período em esteve presa que encontrou e construiu sua identidade como militante: “Fiz minha formação política dentro do Tiradentes”.
O documentário mescla os depoimentos das presas com encenações feitas por atrizes mais jovens, para ilustrar o que as mulheres, agora na faixa dos 60 anos, estão contando. Apesar do clima pesado, “Torre das Donzelas” também explora os momentos de descontração do grupo, as brincadeiras que faziam, as receitas que erravam e os livros que liam para tentar algum resquício de liberdade na ditadura que perdurou entre 1964 e 1985 no Brasil.
Sessão especial na Mostra de SP
A exibição do “Torre das Donzelas” nesta sexta-feira (26), realizada no Cinearte, no Conjunto Nacional, contou com a presença da cineasta e também algumas das estrelas do documentário. As personagens centrais da história, agora com os cabelos brancos, foram recebidas com aplausos e gritos de “Ele Não” — em crítica a Jair Bolsonaro, do PSL– durante a sessão especial na Mostra de São Paulo.
Susanna fez questão de colocar todas as ex-presidiárias na frente do cinema e explicou alguns detalhes da produção, como os sete anos de luta para ganhar a confiança delas. A diretora ainda revelou que quis mostrar tais histórias para entender a própria família. “Eu não conheci meu pai. Quando minha mãe engravidou, ela descobriu que ele era procurado pela ditadura. Eu queria entender por que alguém chega a ponto de largar a família para ir atrás de um ideal”, disse Susanna.
“E este documentário foi um aprendizado para mim. Passei a valorizar mais a história delas e ainda aceitei a ausência do meu pai”, completou a diretora. Iara, uma das entrevistadas, viu o filme pela primeira vez na Mostra e revelou que tinha uma incerteza com projeto. “Eu tinha muito medo, porque foi uma experiência muito pessoal. Nós não conversávamos nem entre nós sobre aquele tempo. Eu tinha muita dificuldade em falar sobre, porque era como se eu deixasse de ser a heroína que eu pensava ser quando jovem”, disse Iara.
“A Susanna fez o processo todo de forma didática, porque todas nós tínhamos vivido a experiência coletiva, mas em diferentes momentos da luta. Eles [a equipe do documentário] ouviram tudo o que tínhamos para falar e depois nos contaram qual era a ideia. Então eu só tenho a agradecer, jamais pensei que essa história fosse ser contada de uma forma tão sensível”, completou a ex-militante.
“Torre das Donzelas” ainda terá duas exibições na Mostra de SP: sábado (27 de outubro) e terça-feira (30 de outubro).
Fonte: Folha
Créditos: Folha