Sinto uma reverberação diferente nas lajes. Um estalar frenético das solas nos mármores dos salões. Será que nunca aprendem? Eles se vão. Mas ficam sempre os Palácios. E nós…
Sinceramente, eu não entendo por que tanta balbúrdia em torno das eleições. Desta. De todas, ora bolas! Para mim, tanto faz. Olá, muito prazer eu sou um ácaro de Palácio. Invisivelmente, me adapto a qualquer ecossistema.
Sei trafegar pelos carpetes e posso dizer –apenas pela quase inaudível compressão de teu passo– a espessura de um tapete quando caminhas com teu sapato italiano, sem hipótese para margens de erro. Os ácaros sabem medir a real temperatura das coisas, sempre camufladas pelo ar condicionado dos gabinetes, onde tudo parece refrigerado e hospitaleiro. Mas um simples soslaio ou piscadela nos indica o calor ou o frio real do ambiente que os termômetros jamais captarão.
Os ácaros somos especialistas na arte da adaptação. Por isso infestamos Palácios, onde esse é o mais nobre e mais árduo dos desafios: adaptar para sobreviver. Podemos ver a rivalidade intransponível no sorriso mais cordial. Podemos ouvir a censura mais crítica no elogio mais caudaloso.
Podemos participar de uma audiência laudatória de duas horas e, numa única palavra dispersa ali encaixada, escutar o veto definitivo a algum intento. E podemos mais: podemos auscultar só com os olhos, tendo como base apenas a disposição da mesa de um encontro, sem que nada seja dito. Ácaros têm audição também nos olhos e visão nos ouvidos. Assim são os ácaros de Palácio: possuímos 5 sentidos intercambiáveis.
Ácaros, ao telefone, são capazes de ver a secretária conforme sua voz. E veem a voz do chefe, sobretudo nos silêncios dele. Os mais eloquentes diálogos dos ácaros são travados no silêncio. O sigilo do olhar de um ácaro de Palácio, no dia em que for grampeado, derrubará repúblicas.
Ácaros tomamos todos os cafezinhos e sabemos de cor os mais saborosos. E sabemos também as águas mais ou menos geladas que são servidas. O volume de todos os copos. Mas isso só comentamos entre nós. Subimos e descemos todos os elevadores. Frequentamos todas as antessalas. Conhecemos todos os corredores e já fomos de carona em todos os carros e aeronaves oficiais. Já passeamos em todos os ternos, em todos os smokings, todos os vestidos de gala, as toalhas de banquete. Sentamos em todos os sofás de todos os gabinetes, em todas as cadeiras, de todos os presidentes (mas isso é um mero detalhe: para nós, aquilo é apenas mais uma cadeira).
Temos a mais clara noção de que os Palácios nos pertencem. Mas não nos jactamos disso. Deixamos os ocupantes, eventuais, dizerem que são deles. Sabemos que o poder é efêmero, que tudo passa. Menos nós. Nas cerimônias, jamais subimos ao palco. Estamos ali, observamos tudo, mas nunca somos vistos. Não buscamos a glória, a fama, o reconhecimento. Apenas os Palácios.
(Ninguém nos vê, mas também estamos na faixa, aquela de duas cores e um brasão que tiram do armário –onde moramos também– de 4 em 4 anos. Nunca entendemos direito a satisfação que se repete dele ou dela de envergarem a nossa faixa! Vestem, tiram e depois colocam no nosso armário e guardam por 4 anos de novo. Os forasteiros sempre nos parecem estranhos. Mas convivemos bem com eles. Sabemos, afinal, que são passageiros)
Alguns nos descrevem como parasitas. Isso nunca nos molestou. Sabemos que designações políticas não nos abatem. Não, não nos chamem nunca para o estrelato, para a ribalta. Somos pequenos seres do anonimato. Vivemos no aconchego do antes e do depois das luzes. A solidão do poder é a nossa casa, nosso habitat natural, a nossa morada. É ali que sobrevivemos. E proliferamos.
Fonte: Poder 360
Créditos: Mário Rosa