O vendedor de ilusões. Pinóquio é paraibano.

Amadeu Robson Cordeiro

Há quem acredite em duentes e fadas. Há quem acredite na sinceridade das pessoas. Há quem acredite na ditadura do proletário. Há, até, quem não acredite em Deus, céticos até a medula.
Com os recentes acontecimentos divulgados pela mídia estadual, envolvendo políticos e dirigentes de empresas, começo a firmar idéia de que este é verdadeiramente um Estado de narigudos e que Gepeto jamais imaginária que sua obra prima se transformaria no decorrer do tempo num vírus devastador.

Pobre Pinóquio. Personagem da literatura infantil deve sentir-se deprimido diante da incorporação avassaladora da sua imagem de “menino mentiroso e narigudo”, sendo disseminada por toda estrutura governamental dos poderes.

Como nossa literatura infantil é farta, ela também nos revela em suas entrelinhas que o nosso Pinóquio, o que fora talhado numa oficina de carpintaria, nutria por seu escultor grande respeito e obediência. Sempre que aprontava uma de suas mentirinhas era severamente corrigido. Tal qual jogo de quebra-cabeça era desmontado e deixado inerte numa prateleira, cumprindo a sentença prolatada por seu genitor que sofria, ao vê-lo desfigurado, imobilizado.

Hoje, infelizmente a reprimenda por quem de direito no combate a atos lesivos e mentirosos ao patrimônio, ao cidadão, ao servidor público não existe, por não existir o mínimo de respeito ao povo. Até parece que as “casas de justiça” instaladas as margens da Praça dos Três Poderes, hasteiam a bandeira política do governador de plantão e apodrecem carcomidas por falta de credibilidade. Todos se curvam, todos se dobram. Raras são as exceções, mas, existem. Manter as benesses ofertadas pela grande Corte, em suas variadas formas, valem mais do que a própria moral, do que a dignidade e sobrepõe o juramento solene, disfarçado de hipocrisia.

Pinóquio foi mentiroso, mas o de hoje, da modernidade, deixa a criação original de Gepeto perplexa, ruborescida e atônita. Fizeram um samba de crioulo doido com nossa literatura, misturando no mesmo cenário o Pinóquio, Branca de Neve, Saci-Pererê, comadre fulozinha, boi-tá-tá e o famoso Ali-babá e os quarenta. O que nos falta?

O pequeno boneco, aquele da historia infantil, tinha sentimentos. Mesmo com o coração de madeira, conseguia sensibilizar e emocionar a ponto de fluir lágrimas dos seus pequeninos olhos inanimados. Era criança. Era inocente. Não sabia nem imaginava que seu protótipo seria deturpado por mentes delituosas.

Os nossos Pinóquios que bajulam na administração do Poder são insensíveis, não devem obediência às leis, nada temem. Lágrimas não fluem de suas faces angelicais, a não ser quando não conseguem atingir com seus desideratos o impossível, o ilegal, o injusto.

A história registra as guerras e contendas, fabulas e verdades. A história registra vitórias, derrotas, medos, frustrações, mas deixa de mostrar como a gente poderia ter feito tudo diferente, e, pior, o quanto à gente preferiria ter feito diferente, e o quanto nos envergonhamos da maioria das coisas que já estão encerradas. Não mostra realmente o que somos, somente o que convencionamos ser. O arrependimento é o mais nobre dos sentimentos, mas às vezes chega tarde. O que pode ser feito? Muda-se, portanto, o visual. Mas o difícil é o ritual para a correção moral. Porque, será necessário uma remexida nos valores éticos que não mais existem; na moral, já devorada pelo tempo; na personalidade, que foi a muito corrompida.
Eu, simplesmente um mortal, não me arrependo das coisas que falo, dos artigos que escrevo. Arrependo-me da falta de coragem das coisas que eu deixo de fazer ou dizer. É muito cruel.