com a permissão da lei

Neste momento, existem negros submetidos a trabalhos forçados - Por Estevam Dedalus

Em 2016, a probabilidade que um jovem de negro seja preso é de um em cada três nos EUA

Em 1865, a 13ª emenda constitucional aboliu a escravidão nos Estados Unidos. Não completamente, já que a mesma lei permite que a servidão involuntária seja imposta a criminosos. O texto diz: “Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado.”

A previsão legal de trabalhos forçados a criminosos se mostraria um artifício capcioso que abriria brecha para criação de uma política de encarceramento em massa e a reinstitucionalização da escravidão. Com a nova lei, porém, cerca de quatro milhões de pessoas deixaram de ser “instrumentos de produção”, o que gerou um colapso no sistema econômico sulista. Estavam criadas as condições para uma estratégia de criminalização dos negros e o início da política de encarceramento em massa. A vida em comunidades negras passou a ser descrita como anômica, uma ameaça à civilização. Eles eram presos pelos motivos mais variados e banais como as acusações de vadiagem. Sua natureza era descrita como essencialmente má. O que ajudou sobremaneira na construção do mito do homem negro estuprador.

Hollywood também teve um papel decisivo com a produção do filme O Nascimento de uma Nação, lançado em 1915. Todos os negros do filme são interpretados por atores brancos com a pele escurecida. A tônica racista é ainda mais forte no enredo e na constituição psicológicas das personagens, descritas com base em comportamentos animalescos como o impulso sexual incontrolável, a falta de racionalidade e propensão inata para desrespeitar normas. O filme ainda faz uma exaltação romântica à Ku Klux Klan – o que na época gerou uma espécie revival da organização.

Apenas nos anos de 1960 que essa política será realmente enfrentada graças aos movimentos de luta por direitos civis. As conquistas desse período serão vistas como ameaça ao establishment, levando ao assassinato das principais lideranças negras. Na década de 70, na era Nixon, a população carcerária norte-americana aumentou progressivamente com sua política de lei e ordem e a declaração de guerra contra o crime. Trata-se, no fundo, de um ataque aos movimentos sociais e a comunidade negra.  Nesse mesmo período o enfrentamento as drogas passou a ser tratado exclusivamente como um caso de polícia, negligenciando-se os aspectos relativos à saúde.

Os EUA estabeleceram também uma política penalização da pobreza, fortemente estimulada pelo lobby das grandes corporações. Com o detalhe de que o sistema prisional do país é privatizado. Seu faturamento anual é bilionário. Os presidiários são forçados a trabalhar para diversas companhias, produzir roupas, aparelhos celulares, entre outros produtos. Para que os lucros se mantenham altos é necessário que a prisões continuem em alta. O que leva ao governo a adotar algumas medidas fundamentais: a política de tolerância zero; o estímulo à pobreza e a violência nos bairros negros; e mecanismo de cerceamento de defesa – 97% dos presos não são julgados, pressionados pela promotoria a aceitar penas menores sob a ameaça de condenações mais duras.

Loïc Wacquant – um dos grandes estudiosos do sistema prisional dos EUA – fala de um processo de hiperguetoização que começou na era Nixon, baseado num colapso das instituições públicas e no desmonte do estado de “bem-estar social”. Isso inclui cortes de auxílios para famílias, ausência de serviços de saúde, escolas precárias, falta de saneamento básico. Em 1982, apenas 3,5 dos alunos de escolas públicas do gueto de Chicago chegavam ao 3º ano do colegial. Em 1984, em South Side e West Side (cinturão negro de Chicago) registava-se um assassinato a cada 10 horas, 400 prisões por crimes violentos a cada 100 mil habitantes, 45 assaltos por dia, sendo 36 com arma de fogo. Esse número quadruplicou em 1992.

Em 2016, a probabilidade que um jovem de negro seja preso é de um em cada três. Entre os brancos a relação sobe para um em cada dezessete.Os Estados Unidos têm 5% da população mundial e 25% de todos os prisioneiros do mundo. A maioria esmagadora dessas pessoas é negra e pobre. Os negros são hoje 6,5 % dos habitantes do país e absurdos 40,2% da população carcerária. Neste momento, existem mais negros submetidos a trabalhos forçados no sistema prisional-industrial norte-americano do que havia na época da 13ª emenda.

 

Estevam Dedalus é cientista social e professor da UEPB.

Fonte: Estevam Dedalos
Créditos: Estevam Dedalos