Quem diria. O capitão Trumpanaro é um especialista em clima. Não disse que ele conhece ciência de clima. Ao prometer, se eleito, retirar o Brasil do Acordo de Paris, o Brilhante Ulstra da língua portuguesa mostrou o que aprendeu: a mudança de clima só atrai voto para o político se for negada ou enquadrada numa camisa de força ideológica. O sociólogo autodidata de Xiririca compreendeu o que a socióloga com Ph.D. Laura Ingram explicou há mais de uma década. As pessoas votam em coisas que são “logo, evidentes e certas”.
Em junho, lembramos o 30.º aniversário do primeiro alarme com repercussão na mídia global sobre a chegada do efeito estufa. Num sóbrio depoimento ao Senado americano, o então cientista da Nasa James Hansen disse, em julho de 1988, que já era possível detectar sinais claros de aquecimento do planeta. A notícia pulou para a primeira página de jornais. Governantes, cientistas e o comentariado discorreram solenemente sobre a gravidade do problema, tratados e acordos foram propostos, assinados e chegamos a 2018 como o ladrão reincidente que quebra cada promessa feita a juízes. O planeta ainda recorre a combustíveis fósseis para satisfazer 85% de sua demanda por energia.
Os fracassos ambientais, tantos anos depois de cientistas colocarem diante de nós fatos sobre nosso flerte com a catástrofe, podem ser explicados pela limitação de fatos como motores de mudança. Ou por esse diálogo entre o alter ego de Woody Allen, Alvy Singer, aos 9 anos, e seu médico no filme Annie Hall, de 1977. A mãe leva Alvy ao consultório porque ele parece deprimido com algo que leu e parou de fazer o dever de casa. Alvy diz que é porque o Universo está se expandindo.
Alvy: O Universo é tudo, e, se está se expandindo, um dia vai desmoronar e vai ser o fim de tudo!
Mãe: E por que isso é problema seu?
Alvy: O que adianta?
Mãe: O que o Universo tem a ver com isso? Você está aqui no Brooklyn, o Brooklyn não está se expandindo!
Uma previsão que o cientista James Hansen não podia fazer, naquele julho nem tão distante, era sobre outro ecossistema que tornaria a questão do clima ainda mais intratável. A era digital, mãe das redes sociais, ia potencializar o que o candidato de Xiririca explora melhor que seus adversários: a tribo pesa mais. Não há estatística, gráfico em cores ou vídeo com mensagem da Anitta que neutralize o sentimento tribal e o traço humano de manter um número limitado de preocupações imediatas na primeira fila dos temores.
O jornalista Andrew Revkin, que embarcou na cobertura climática pouco antes do discurso de Hansen, examinou sua jornada este mês, num artigo na revista National Geographic. Com a habitual integridade, Revkin revisita erros de percepção e expectativas de soluções de tamanho único para sociedades ricas e pobres.
Continuando a conversa num programa de rádio nova-iorquino, ele contou que seu maior arrependimento foi não ter consultado antes gente como a professora Laura Ingram sobre a importância da identificação com grupos e sobre o peso menor do conhecimento nas decisões individuais. Ele se declarou mais otimista com a possibilidade de romper a barreira da polarização política na discussão sobre o clima. Citando uma reportagem da CNN em 2015, Revkin lembra o morador de um dos municípios mais ferrenhos na negação do efeito estufa, em Oklahoma. Depois de dizer que deus controla o meio ambiente, o entrevistado contou que estava cobrindo seu telhado de painéis solares e pretendia declarar independência da empresa de energia local. Ele não votaria num democrata, mas era igualmente contra a poluição e a favor de economizar na conta de luz.
Fora da bolha ideológica, acredita Revkin, é possível encontrar preocupações que não derrotam a lealdade tribal nem agravam a saúde do planeta.
Fonte: O Estado de S.Paulo
Créditos: Lúcia Guimarães