Corrupção

TEM ATÉ RUA VENDIDA: Imprensa nacional destaca corrupção de Cabedelo e custos de prefeito e vereadores presos

Mesmo preso, o grupo custava aos cofres públicos R$ 103 mil por mês em salários. Provocada pela população, a Câmara de Cabedelo consultou o TCE-PB (Tribunal de Contas do Estado da Paraíba), que determinou a suspensão dos vencimentos.

Rua Max Zagel, a principal da praia de Camboinha, em Cabedelo (PB), não tem calçamento
Cidade portuária e turística, terceira maior arrecadação da Paraíba, marco zero da BR-230 e com um histórico de corrupção e desvio de dinheiro sem precedentes no Estado. Assim é o município de Cabedelo, na região metropolitana de João Pessoa, alvo da operação Xeque-Mate, realizada no início de abril deste ano, que prendeu o prefeito, cinco vereadores e mais cinco servidores.

Mesmo preso, o grupo custava aos cofres públicos R$ 103 mil por mês em salários. Provocada pela população, a Câmara de Cabedelo consultou o TCE-PB (Tribunal de Contas do Estado da Paraíba), que determinou a suspensão dos vencimentos.

Uma decisão liminar publicada no último dia 27 autorizou o pagamento a três vereadores afastados.  Até o momento, 26 pessoas foram denunciadas pelo MP (Ministério Público) da Paraíba por formar uma organização criminosa que teria causado prejuízo de R$ 20 milhões aos cofres públicos. Essa estimativa inclui desvios por meio de servidores fantasmas, desvalorização de obras e venda de licitações.

Na última quinta-feira (19), a Polícia Federal realizou a segunda fase da operação e cumpriu mandados de busca e apreensão em escritórios de pessoas que são suspeitas de envolvimento no esquema.

“Fiquei envergonhado, mas não surpreso”

José Felipe de Souza, 69 anos, morador da praia de Camboinha, em Cabedelo (PB) O clima é de revolta entre os moradores de Cabedelo — mas, a julgar pelos relatos ouvidos pela reportagem, não de surpresa. “Não é de hoje que o município de Cabedelo está no abandono. Dinheiro, a gente sabe que tem, porque a arrecadação é alta, mas a polícia mostrou que o destino era o bolso dos nossos representantes. Eu me sinto envergonhado de tudo isso, mas não fiquei surpreso. Uma hora a bomba ia estourar, graças a Deus que estourou”, disse o vendedor José Bandeira.

Da calçada de casa, o aposentado Uelson dos Santos observa os pedreiros trabalhando no calçamento da rua Vereador Benedito Ribeiro de Araújo, no bairro de Formosa. Seria um motivo para comemorar, não fosse a demora na conclusão
da obra.

“Daqui a pouco faremos um bolo para comemorar um ano de andamento dessa obra. Infelizmente, a situação da nossa cidade é lamentável. O que aconteceu aqui é motivo de vergonha e humilhação para todos nós”, afirmou Araújo. Ele não é o único a reclamar.

O também aposentado José Felipe de Souza mora no bairro de Camboinha e disse que, quando chove, o local fica praticamente intransitável. “Se tiver um barco, é mais seguro, porque a lama toma conta das ruas”, afirmou.
Em Cabedelo, segundo a denúncia do Ministério Público, foram constatadas doações fraudulentas de imóveis do
patrimônio público da cidade, todos muito bem localizados e de valor alto, para empresários locais. As doações,
segundo o MP, aconteceram sem nenhuma transparência e critério. Até uma rua do município teria sido
comprada por um empresário, o que deixava ampliar seu estabelecimento na cidade.

“Hoje sabemos o destino dos impostos que pagamos”
Na badalada praia de Camboinha, local de veraneio dos mais ricos, as ruas sempre foram um problema a ser vencido. Uma das principais, a Max Zagel, por exemplo, continua até hoje sem calçamento em praticamente toda a sua extensão. Cenário que destoa das grandes casas existentes no local. “O pior é pagar um IPTU altíssimo para o dinheiro não retornar para o cidadão. Hoje sabemos o destino dos impostos que pagamos”, disse uma moradora que não quis
se identificar. Atualmente é feito um serviço de calçamento em algumas ruas do bairro.

Rua de Cabedelo que começou obra de calçamento em setembro de 2017 No início de junho, o atual prefeito de Cabedelo, Vítor Hugo (PRB), anunciou um projeto de calçamento, chamado “Pavimenta Cabedelo”. Segundo a prefeitura,
serão investidos mais de R$ 4,5 milhões, dinheiro que teve origem na arrecadação
de IPTU. Vítor Hugo foi um dos cinco vereadores (de um total de 15) que não foram presos
ou afastados na operação Xeque-Mate. Ao convocarem os dez suplentes, a Câmara da cidade o elegeu presidente. Com isso, seguindo a linha sucessória, ele passou a ocupar o cargo de prefeito interino. Nas eleições de 2016, ele obteve 834
votos (2,38% do total) e está em seu primeiro mandato parlamentar.

“Limpava um jardim quando soube que seria vereador” Quase três meses depois das prisões, Cabedelo tenta se reerguer. Na Câmara Municipal, os vereadores realizam sessões às terças e quintas. Dez vereadores suplentes assumiram as cadeiras no legislativo municipal após as prisões ou afastamentos dos titulares. Se o clima nas ruas é de revolta, dentro da Câmara alguns vereadores ainda estão se acostumando com as novas funções. Vereador Valdí Tartaruga (PRP)
Um deles, Valdí Tartaruga (PRP), foi eleito em 2016 com 1,31% do total dos 44.293 votos registrados na cidade.
Tartaruga contou que ficou surpreso quando recebeu um telefonema informando que ele assumiria uma cadeira na Câmara.

“Imaginem só, eu estava limpando um jardim e de repente sou informado que me tornaria vereador. Foi uma
surpresa. Ainda tenho muita coisa a aprender aqui, como o regimento, por exemplo, mas eu vou honrar os votos que recebi”, afirmou o vereador. Quem assumiu a presidência da Câmara foi Geusa Ribeiro (PRP), vereadora eleita com 587 votos

Ainda tenho muita coisa a aprender aqui, como o regimento, por exemplo “Muitas pessoas falavam que iríamos fazer o mesmo dos nossos antecessores, que seríamos conduzidos pelo prefeito preso”, afirma.

Outro lado
A Prefeitura de Cabedelo, por meio da assessoria de imprensa, informou que também seguiu a recomendação do TCE-PB (Tribunal de Contas do Estado da Paraíba) e cancelou o pagamento do mês de junho referente aos salários do prefeito preso Leto Viana e do vice afastado Flávio de Oliveira (PRP). Além disso, afirmou que está trabalhando para extinguir “super salários”, pagar servidores dentro do mês de trabalho e férias atrasadas, entre outras ações. No domingo (15), o vice-prefeito morreu vítima de insuficiência cardiorrespiratória.

  A denúncia

Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público da Paraíba por meio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado), a operação XequeMate desarticulou um esquema de corrupção que incluía a compra de mandatos
políticos. Das 11 pessoas presas em abril, oito continuam privadas de liberdade, uma cumpre prisão domiciliar e duas foram liberadas pela Justiça. Na operação, realizada em abril deste ano, descobriu-se que o prefeito eleito nas eleições municipais de 2012, José Maria de Lucena Filho, conhecido como Luceninha (PRB), “vendeu” o mandato de prefeito, para o qual foi eleito com 21.847 votos (78,04% dos votos válidos). Segundo o MP, o novo prefeito de Cabedelo, Leto Viana, ao assumir, teria de garantir privilégios a empresários da região (um deles, inclusive, teria financiado o
pagamento do mandato). Um dos indícios dessa submissão teria acontecido, segundo o MP, quando os vereadores vetaram a aprovação de um projeto que permitiria a construção de um novo shopping em Cabedelo. Caso aprovada, a obra traria concorrência direta ao financiador da compra do mandato, dono de um shopping entre João Pessoa e Cabedelo.

 

O Hospital e Maternidade Municipal Padre Alfredo Barbosa, de Cabedelo (PB), que está  interditado De acordo com a denúncia do MP, logo após as eleições, Luceninha passou a ser pressionado pelos financiadores de sua campanha, que cobravam as dívidas.

 MP aponta até rua vendida em cidade com prefeito e vereadores presos –  Nesse momento, surgiu a ideia da venda do mandato ao vice, compra que teria sido financiada por um forte empresário local, segundo o MP. A negociação teria sido em torno de R$ 4,5 milhões, segundo apontam as investigações. Luceninha foi denunciado pelo MP, mas não foi preso na operação. Ao apresentar a carta-renúncia à Câmara de Vereadores, ele alegou questões pessoais para não
permanecer no cargo. Segundo a denúncia, Leto financiou a campanha de pelo menos metade dos vereadores eleitos em 2016. Como parte do acordo, os vereadores assinaram ‘carta-renúncia’ que ficava com Leto e poderia ser apresentada a qualquer momento, caso houvesse descontentamento por parte do prefeito.

O advogado Jovelino Delgado, que responde pela defesa do prefeito preso, disse que Leto “acredita plenamente na Justiça e tem certeza que a verdade dos fatos será esclarecida no decorrer da instrução processual”. Segundo ele, nessa oportunidade, “iremos rebater cada um dos pontos apontados e acolhidos pelo órgão ministerial, demonstrando que o nosso cliente sempre prezou pela legalidade durante toda a sua vida pública e que, em nenhum momento, se utilizou de expedientes espúrios”.

Investigação começou após delação de ex-vereador

A operação teve colaboração premiada do ex-presidente da Câmara de Cabedelo, Lucas Santino (PMDB), que denunciou o esquema. Santino procurou a PF de forma espontânea, apresentando os fatos, o que deu início às investigações.

A ele, foi oferecida a extinção de pena diante de alguns crimes, uma vez que ele também tinha feito parte do esquema anteriormente. A operação cumpriu 11 mandados de prisão preventiva, 36 mandados de busca e apreensão e outros 15 sequestros de bens. Entre os presos estava o prefeito em exercício Leto, cinco vereadores (dentre os quais a primeira-dama do município e presidente da Câmara, Jacqueline França) e cinco servidores. No mesmo dia, a Justiça determinou o afastamento imediato de 85 servidores públicos do município, dentre os quais o prefeito e também o vice-prefeito. Com isso, o vice ficou impedido de assumir a prefeitura.

No dia 12 de junho, o Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba negou recurso e manteve a prisão de sete presos na operação, incluindo o prefeito Leto e sua esposa Jacqueline. Três presos conseguiram medida cautelar e liberdade vigiada
duas semanas após a operação.

Fonte: Uol
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