O expurgo suspeito do judiciário

Gilvan Freire

Durante a ditadura militar, uma das mais atrozes experiências desumanas que o Brasil viveu, em que luminares do pensamento foram simplesmente proibidos de pensar e as palavras mais lúcidas dos brasileiros mais ilustres ficaram impedidas de ser ditas, o país perdeu a noção de civilidade. É assim em qualquer canto do mundo quando o sistema legal cede à ambição e à fraqueza dos homens. Ou seja: os humanos são uma temeridade na terra, não só por causa de suas ambições mas por causa, especialmente, de suas fraquezas, quase sempre associadas umas as outras e as duas atentando contra a espécie. Eita raça precária!

Ninguém explica bem porque a natureza humana tem essa capacidade de evoluir, crescer, mas em determinado instante passa a conspirar contra a sua própria evolução. É um canibalismo social atávico, talvez coisa inserida no nosso DNA primitivo. Como explicar os expurgos feitos pelos regimes totalitários não só de seus contestadores, mas, estranhamente, de seus próprios instituidores? Isso seria parte do poder dos homens ou revelação de suas fraquezas?

No episódio da punição sem culpa formada da juíza Maria de Fátima Ramalho, somam-se as duas precariedades humanas numa só decisão: o poder dos homens, que pode tudo contra quem dele discorda, e a fraqueza dos homens quando querem eliminar parte de sua própria espécie para demonstrar a existência de uma superioridade racial. É triste.

Porque essa juíza teria de ser punida previamente antes de exercer o mais sagrado direito que a justiça garante a qualquer cidadão que responda a qualquer tipo de processo judicial ou administrativo?

Ressalvando o fato de haver um juiz ladrão, um vendedor de sentença ou delinqüente travestido de magistrado, usando uma Toga para camuflar um bandido dentro do judiciário, ou um psicopata inapto para o exercício da função judicante, não parece razoável a ninguém que um magistrado sem pecha de desonesto ou desonrado possa ser punido preventivamente da mesma forma que deveria ser punido o corrupto e o desonrado.

Em se tratando da juíza alvejada, que adquiriu fama e prestigio social por conta de sua combatividade aos excessos de poder, desvios e anormalidade dos governantes no exercício do cargo, além dos reiterados abusos de autoridade, a todos parece que o Tribunal de Justiça preferiu ficar do lado errado. E se o governante, o governo e seus asseclas foram buscar na Corte um motivo para comemorar vitórias, só quem não ficou com motivo algum para comemorar foi o Poder Judiciário.