Na semana em que o Supremo Tribunal Federal pode julgar a ação direta de constitucionalidade sobre prisão a partir de decisão de segunda instância, a Folha de S. Paulo destaca, na primeira pagina, o resultado da última pesquisa realizada pelo Datafolha:
“Maioria apoia a prisão de condenados em segunda instância”.
Segundo o jornal, a pesquisa, realizada entre 11 e 13 deste mês, constatou que 57% dos brasileiros querem que o entendimento seja mantido.
Para 36%, segundo o Datafolha, “é mais justo que uma pessoa vá para a prisão somente após seu processo passar por todas as instâncias judiciais possíveis”. Seis por cento não souberam responder.
O Vox Populi foi a campo entre os dias 13 e 15 e colheu resultado oposto.
Perguntou: Você acha justo que Lula ou qualquer outra pessoa seja presa imediatamente depois de uma condenação por um tribunal de recursos ou só depois que a Justiça decida em última instância, ou seja, depois de recorrer aos tribunais superiores?
Segundo o Vox Populi, 52% acham que Lula ou qualquer outra pessoa tem direito a só ser presa se a condenação for mantida pelos tribunais superiores.
Para 33%, a prisão a partir da decisão de segunda instância é justa. Quinze por cento não souberam responder.
Excluída a hipótese de desonestidade, a diferença do resultado entre o Datafolha e o Vox Populi pode estar na forma como a pergunta foi feita.
Para os ministros que, ao julgar, gostam de levar em consideração o “sentimento social”, como Luís Roberto Barroso, a dificuldade dele seria apenas uma: escolher em que pesquisa acreditar.
Mas o ponto aqui é outro: as pesquisas mostram que o “sentimento social” é o caminho mais curto para uma decisão injusta.
A chamada opinião pública muda tão rapidamente como as nuvens no céu. E, a depender da forma como a pergunta é feita, a resposta é completamente diferente no mesmo território e no mesmo espaço de tempo, com as mesmas pessoas.
Por isso, tribunais.
Não fosse assim, bastaria aos juízes consultar a população para decidir qualquer questão. Nesse caso, para que juízes?
A questão da prisão a partir de esgotados todos os recursos foi decidida entre 1987 e 1988, quando o Brasil, através de seus representantes, se reuniu em assembleia durante meses para decidir as principais regras de convivência democrática.
Ficou decidido ali: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Esse princípio está contido expressamente no Código de Processo Penal, artigo 283:
“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
Ora, então por que então Lula foi preso se ainda pode recorrer aos tribunais superiores?
Por causa de uma decisão do Supremo Tribunal Federal tomada no auge da Lava Jato, em fevereiro de 2016, quando o ministro Teori Zavascki, relatando um HC, negou liberdade a um homem condenado por roubo em São Paulo.
Ficou ali estabelecido que, a partir de uma decisão de segunda instância, a cadeia já era permitida — veja bem, permitida, não obrigatória.
Meses antes da decisão do STF, o juiz Sérgio Moro assinou artigo no jornal O Estado de S. Paulo em que defendia a prisão a partir da sentença de primeira instância como forma de combater a impunidade.
O Supremo não chegou a tanto, mas sinalizou que, a exemplo de Moro, estava preocupado com a imagem de uma Justiça que não pune e que permite ao criminoso buscar inúmeros recursos para fugir do cumprimento da pena.
A prisão a partir de decisão de segunda instância é, portanto, filha do casamento espúrio entre mídia e Lava Jato.
Uma aliança tácita que continua a produzir suas aberrações.
A mais recente delas é esta pesquisa Datafolha que apontaria um suposto apoio da população à prisão a partir de segunda instância — no fundo, essa consulta foi feita para justificar a manutenção de Lula no xadrez, longe das urnas.
Na mesma época, saiu a pesquisa Vox Populi, que diz o contrário. Em qual acreditar?
Para nós, em qualquer uma. Tanto faz.
Para os ministros do STF, em nenhuma.
Eles devem se manter dentro do ideal de uma Justiça cega, que procura sempre a virtude interior, longe das paixões humanas.
Fonte: Diário do Centro do Mundo
Créditos: Joaquim de Carvalho