“Aloprados” no governo estadual: ninguém merece

Nonato Guedes

Se ficar comprovado, mediante perícia isenta, que ocupantes de cargos “comissionados” da administração estadual estão sendo pressionados a vestir a camisa da pré-candidata do PSB à prefeitura, Estelizabel Bezerra, é caso de abuso de poder, cuja consequência já foi produzida na Paraíba contra quem estava no topo do poder. Direto ao assunto: Cássio Cunha Lima foi cassado pelo TSE no final do segundo mandato de governador acusado de conduta vedada/abuso de poder. O vídeo captado pelo portal “ClickPB” durante reunião presidida pelo secretário de Saúde, Waldson de Souza, flagrou, num primeiro momento, o discurso de uma funcionária do escalão intermediário explicando didaticamente que cargo de confiança “é cargo de confiança” e invocando, como guru dessa prédica, o governador Ricardo Coutinho. As versões divulgadas em emissoras de rádio são de que há, também, documentada, uma fala do secretário Waldson, praticamente no mesmo tom.

Pode não dar em nada, primeiro se for constatado que a gravação foi montada, o que exige a perícia isenta a que nos referimos; em segundo lugar, talvez a legislação eleitoral não seja clara quanto a incidentes fora do prazo de campanha propriamente dita. No reverso da medalha, se prevalecer entendimento de que houve propaganda explícita e, mais grave ainda, coação sobre servidores que exercem cargos de confiança, pode ficar caracterizado o uso antecipado da máquina para fins eleitoreiros. E, aí, qualquer leigo pode deduzir que houve infração, passível de punição. A escala punitiva tem uma gradação que só os responsáveis pela Justiça podem explicar melhor, mas, em tese, deve partir para cima do secretário, que, estando presente e não tendo contestado o que foi dito, é responsável. Estaria na posição de um auxiliar do governo com poder para ordenar despesas e que cometesse ilícito. Esse auxiliar, justamente pela condição de ordenador, responderia sozinho, em princípio, podendo um superior ser avocado subsidiariamente ou solidariamente. No final das contas, adversários do governo querem chegar diretamente ao governador Ricardo Coutinho, que tem margem de manobra para defesa mas não está acima da Lei.

Dê-se o beneplácito da dúvida ao governador pelo fato de que, estando nos EUA, mandou demitir funcionária do Palácio que usou a conta do “Twitter” oficial para subliminarmente pedir votos para Estelizabel. O superior imediato da funcionária não sofreu nada, muito menos o governador. A funcionária pagou o pato pela submissão. Ou pela bobagem de querer ser mais realista que o rei. O pior é que o estouro do incidente na reunião com os comissionados deu-se em menos de uma semana após o “affair” palaciano. Quer dizer: está virando uma praxe institucionalizada a propaganda dentro da máquina de governo em favor de uma candidatura. Admita-se, por hipótese, que o governador está fora dessa, como Lula jurou não saber nada do mensalão. Tal condescendência não exime o governador de outra responsabilidade: a de ter comando de fato e de direito sobre a máquina que ele pilota. Por outro lado, é mera patacoada essa estória de que cargo de confiança é cargo de confiança…do governante. O princípio legal reserva uma quota para nomeação de pessoas de confiança de governantes, com base em critérios como competência e lealdade. É omisso sobre relações mais próximas, de compadrismo. Os auxiliares de confiança, ainda assim, devem lealdade primeira à sociedade. São pagos para trabalhar em favor do contribuinte que paga impostos recolhidos pela secretaria de Finanças do Estado. O governo socialista que se instaurou sob os eflúvios da modernidade e que prometeu uma Paraíba diferente não pode repetir o que condenou em governos que o antecederam, porque estará incorrendo em deslavada mistificação.

Se os fatos estão se sucedendo fora do período eleitoral, o que não haverá quando esse período for deflagrado? No governo de Cássio, que hoje, como senador, purga o aprendizado que colheu, deu-se que em Campina Grande, na campanha em favor de Rômulo Gouveia à prefeitura, o próprio comandante da Polícia Militar usava adesivos do candidato. Foi um acinte à sua autoridade e à autoridade do governador, que desfilava em carro aberto. A fronteira entre o legal e o ilegal é tênue, da mesma forma como é tênue a distância entre a ética e a antiética na atividade política. Descobre-se que, como no governo Lula, há “aloprados” e “alopradas” no governo de Ricardo Coutinho. O que é lamentável para um governador que foi chamado pela presidente Dilma, anteontem, a discursar em nome dos outros governadores numa solenidade em Brasília. Imagens negativas, por pequenas que pareçam, vão formando o caudal que vai desaguar em Brasília queimando o filme do próprio governador socialista da Paraíba. Ganha-se voto no gogó, como dizia Fernando Henrique. Ou seja, no convencimento, pelo carisma, pela empatia, pela ousadia de propostas. Ricardo não merece ir para um vale tudo por causa de uma disputa na capital onde ele fez sua própria escolha. Nem a Paraíba merece, sinceramente!