Amadeu Robson Cordeiro

Hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor! A que horas da noite? A toda hora meu senhor! Esta é apenas uma lembrança antiga dos tempos de criança, nas ruas empoeiradas das nossas cidades do interior. O palhaço animado puxava a pirralhada e, tentando assegurar casa cheia, rezava a todos os Santos do céu clamando para não chover durante o espetáculo. O tempo passa e o picadeiro se transforma. É a mutação circense que invade gabinetes. Nestas reflexões de começo de manhã, me aflora à mente a figura de certo Estado imaginário em carta geográfica. Começo então a vê-lo encoberto por uma densa névoa, preso nas extremidades pelo vício da corrupção, tendo ao centro o mastro mor apodrecido, exalando excrementos dos animais carnívoros, patrocinadores dos grandes espetáculos. Pronto, esta armado o grande circo.

No picadeiro palhaços de araque animam a eclética platéia com o dom maléfico e mágico de ludibriar e sugar todas as suas esperanças. Embaixo da máscara vermelha, azul, branca e alaranjada, se esconde a máscara negra, esconderijo e labirinto da avareza, da cobiça, das mazelas e enganações disseminadas nas entranhadas viscosas do seu “ser”. O trapezista tal qual o saltimbanco trapalhão, subiu ao trapézio do poder em elevador ou escada rolante, – caminho mais viável a seus desideratos. Na verdade, não subiu por suas habilidades e sim pela maestria de um exímio condutor. Lá em cima, no evereste circense, faz acrobacias espetaculares na certeza de que, se por alguma falha operacional vier a cair, em baixo, antes do tombo moral, estarão às redes protetoras armadas no âmago do picadeiro, reforçadas pelos tentáculos das extremidades governamentais. Levanta as mãos, recebe aplausos. Retorna ao ponto de origem fazendo o mesmo trajeto. O espetáculo continua…

Os anõezinhos a brincarem ziguezagueando no picadeiro, deixam à frágil e ingênua platéia, impávida, estática. O Mestre comanda. Zangado se alegra. Atchim já não espirra; soluça de barriga cheia. Brincam…, brincam…, brincam. Afinal, se a bruxa má da moralização os incomodar, certamente acharam aconchego nas baias da Branca de Neve, a apaixonada e enamorada do Ali-bá-bá.

As dançarinas com suas saias pinçadas tentam disfarçar as rugas e pregas de famílias da luta e das dores, sofridas pelo descaso, vitimas de uma política discriminatória refletida nos seus péssimos e parcos salários. São as damas da Corte que, comandadas a fricção, fazem o jogo de cinturas monitoradas a distância por um simples, mais deletério controle remoto. Não se cansam nem se enfadam das luxentas noites de picadeiro e, desdenhando no tablado a balbuciam: eu posso, eu mando, eu faço. E daí!!!

O espetáculo prossegue trazendo a reboque o pessoal de apoio que, travestidos de representantes do povo ao poder, perambula como ambulantes a venderem seus produtos, projetos, planos e ilusões. A platéia sofrida implora urgentemente pelo fim do espetáculo. Clamam em lágrimas ao peregrino condutor e a tantos outros bons guias que conhecem bem a estrada da paz, da harmonia e da esperança, que assumam a sua orfandade, que o silêncio pertinaz não se transforme em som estéril de conformismo aos ouvidos de quem está a sufocar, castrar e sepultar todos os sonhos, por eles próprios construídos. Assim, estamos enclausurados nessa exuberante teia, cuja dimensão extrapola a própria razão. O filósofo Montaigne, diz: “o bem público exige que se traia, que se minta e se massacre. Sempre há instrumentos submissos e dóceis que cumprem a vontade do príncipe. Quem quiser preservar a dignidade moral que se afaste desse mundo coberto de maldades e de febres viciosas”.

Os escândalos que assolam este Estado fantasioso trazem a claridade receios torturantes estampados no semblante pálido, triste e envergonhado da população. Neste circo somos realmente os verdadeiros palhaços… bobos da corte. Estamos verdadeiramente em estado de circo.