Milhares de pessoas mortas, lares destruídos e famílias que tentam fugir do caos. Este é o cenário de devastação deixado pela guerra na Síria, no Oriente Médio, desde 2011. As imagens que retratam o conflito periodicamente tomam conta das redes sociais, como nas últimas semanas, após tropas do Exército apoiadas pelo governo da Rússia decidirem retomar o controle de Ghouta Oriental, no subúrbio de Damasco, um dos últimos redutos rebeldes.
A equipe de checagem do GLOBO conferiu o contexto em que algumas dessas imagens foram feitas e constatou que, em muitos casos, os registros são antigos, mostram confrontos de outros países e algumas até não têm qualquer relação com o conflito sírio, como costumam identificar as legendas.
“A Estátua da Liberdade reconstruída por um artista sírio com os destroços da própria casa, destruída por um bombardeio americano.”
Statue of Liberty de Tammam Azzam | Reprodução
A obra compartilhada nas redes realmente é de um artista sírio, mas não é uma escultura e nem foi feita com destroços de sua própria residência. A equipe de checagem do GLOBO entrou em contato com o sírio Tammam Azzam, autor da obra, que esclareceu a verdade por trás da imagem que viralizou nas redes. Segundo Azzam, não é a primeira vez que ele é questionado sobre o trabalho, uma fotomontagem criada em 2012.
— Eu postei esse trabalho com a legenda de que se tratava de uma montagem, mas foi utilizado de uma maneira completamente diferente. Era uma maneira de retratar a esperança, de que, em meio a tantos bombardeios, haveria uma chama de liberdade. A notícia falsa não é algo que afeta diretamente minha arte, mas afeta a mente das pessoas.
Em uma postagem de outubro de 2016, Azzam publicou uma entrevista que concedeu ao site “Al Arabiya”, na qual também explicou a motivação para criar a fotomontagem. Na época, militantes favoráveis ao governo de Bashar al Assad replicaram a foto descrevendo que se tratava de “uma mensagem de um artista sírio para os Estados Unidos”. Azzam também rebateu essa versão, reforçando que a “Estátua da Liberdade em Nova York não representa a política dos EUA, apenas um símbolo de liberdade”.
Em alguns dos seus perfis em redes sociais, o artista publicou outras obras, que mostram que as montagens e o uso da ironia são marcas do seu trabalho.
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“Encontrada sozinha no meio da guerra, menina síria órfã sorri sem saber o que está acontecendo.”
Menina síria posa para foto na cidade Homs, na Síria | Ahmad Sabouni
Os olhos azuis e o sorriso de uma garotinha viralizaram nas redes sociais como se demonstrassem a pureza e a tranquilidade de uma criança órfã em meio ao caótico cenário de guerra na Síria. A atriz Giovanna Antonelli foi uma das internautas que compartilhou a história no Instagram, numa postagem que ultrapassou 81 mil curtidas.
Em uma página de mensagens motivacionais para muçulmanos, a narrativa ganhou ainda mais detalhes. Segundo a publicação, compartilhada mais de mil vezes, o fotógrafo teria caído no choro após ouvir a menina fotografada perguntar pelo pai. Apesar da mobilização popular em torno da história, ela é falsa.
As imagens foram publicadas originalmente em setembro de 2017 pelo fotógrafo Ahmad Sabouni, entre os registros do conflito sírio compartilhados por ele no Facebook. A publicação continha, além das imagens, dizeres religiosos. Mesmo assim, foi utilizada como ponto de partida para o boato.
A verdade é que a garota se chama Sidra, não é orfã e continua sob os cuidados dos pais em uma área mais segura do país, na cidade de Homs. O próprio autor da foto desmentiu o boato numa nova publicação feita nesta segunda-feira, após a versão falsa da história ter se espalhado pela internet. Na semana passada, para comprovar que Sidra está bem e acompanhada da família, Sabouni publicou fotos da menina com um adulto, ao lado de outra criança, e respondeu aos internautas que expressaram o desejo de adotá-la.
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“Menino sírio deitado entre o túmulo de seus pais.”
Fotógrafo Abdul Aziz Al-Otaibi criou cenário da foto na Arábia Saudita | Abdul Aziz Al-Otaibi
Compartilhada mais de 170 mil vezes no Facebook nos últimos três dias, a suposta foto de um menino Sírio dormindo entre os túmulos de seus pais tocou muitos internautas. A intenção do fotógrafo Abdul Aziz Al-Otaibi era provocar a reflexão sobre a ausência dos pais para as crianças que vivem em meio à guerra, quando produziu o ensaio fotográfico na Arábia Saudita, em dezembro de 2013. Al-Otaibi queria mostrar como o amor pueril pelos pais era insubstituível, mas não planejou qualquer relação entre a foto e a guerra na Síria. Mesmo assim, internautas passaram a compartilhar a imagem como se ela retratasse o abandono de um órfão em meio ao conflito no país.
Em entrevista a Harald Doornbos, o autor da foto declarou ter ficado chocado com a maneira como a imagem repercutiu. Segundo Al-Otaibi, o menino na foto é seu sobrinho e os túmulos não são verdadeiros, mas sim elaborados somente para as fotos, tiradas nos arredores de Iambo, importante cidade portuária da Arábia Saudita. Para ter certeza que as pessoas não iam continuar tirando conclusões erradas sobre seu trabalho, o fotógrafo compartilhou imagens do making-of do ensaio com o menino sorrindo e fazendo um aceno para a câmera.
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“Pai corre com a filha no colo para tentar protegê-la da guerra na Síria.”
Pai corre com a filha no colo em Mosul, no Iraque | Goran Tomasevic
O contexto em que a foto foi feita também era de confronto, mas a imagem não é um registro da guerra na Síria. O clique da família que tenta se proteger em meio ao caos foi feito em 4 de março de 2017, no Oeste de Mosul, no Iraque, pelo fotógrafo Goran Tomasevic, da agência “Reuters”.
A foto foi tirada durante uma ofensiva do exército iraquiano, que teve início em outubro de 2016 e durou nove meses. A ação tinha o objetivo de reconquistar parte do território da cidade que era controlada pelo grupo terrorista Estado Islâmico (EI), mas os bombardeios também afetaram duramente a vida de civis.
Segundo Tomasevic, em reportagem publicada pela Reuters, “a família e seus vizinhos – alguns usando sandálias de borracha e outros descalços – estavam correndo de um contra-ataque do EI nessa região de Mosul, tentando escapar de tiros após a aproximação dos militares”.
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“Foto mostra bombardeio destruindo casas na Síria.”
Bombardeio em Gaza, no Iraque, em 2014 | Sameh Nidal Rahmi
A imagem utilizada como símbolo dos bombardeios que devastam a Síria desde 2011 é, na verdade, o registro de um ataque das Forças Armadas israelenses no Leste da cidade de Gaza. A foto foi tirada em 29 de julho de 2014, pelo fotógrafo Sameh Nidal Rahmi. O autor da foto inclusive já utilizou o clique como imagem de capa no seu perfil no Facebook. Na época, a imagem ilustrou reportagens que noticiavam como a vida de civis foi impactada pela ofensiva israelense contra líderes do Hamas.
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo