O Brasil vive com o Oscar uma obsessão comparável à busca futebolística pela medalha de ouro nas Olimpíadas, obtida finalmente em 2016, no Rio de Janeiro. Afinal, a Argentina é bi – na competição e na premiação. Não duvide, portanto, se Galvão Bueno for escalado para narrar a próxima vez que o país emplacar um filme indicado à estatueta de melhor produção estrangeira.
Lá se vão quase vinte anos desde a última vez, com Central do Brasil, longa lançado em 1998 que também recebeu nomeação a melhor atriz (Fernanda Montenegro) no Oscar 1999. Essa aflição pelo troféu dourado provoca todo tipo de teoria. Existe um perfil de história preferida pelos votantes da Academia? Nossos filmes não são bons o suficiente para vencerem? Por que estamos há tanto tempo sem indicações?
Cinco razões que podem explicar a ausência do Brasil no Oscar de melhor filme estrangeiro:
1. A culpa é do processo de escolha do filme? Nem sempre. Para 2018, as regras da escolha do filme brasileiro que tenta chance no prêmio mudaram. Antes, o eleito era apontado por uma comissão formada pela Secretaria do Audiovisual, órgão do Ministério da Cultura. Agora, a pasta apenas acompanha o processo, realizado pela Academia Brasileira de Cinema, entidade formada por centenas de profissionais. Apostamos bem desta vez. Bingo: O Rei das Manhãs foi talvez o longa brasileiro mais internacional de 2017: uma crônica oitentista sobre como “adaptamos” o palhaço Bozo, criação americana, à realidade do entretenimento televisivo nacional. Por sinal, tem assinatura de Daniel Rezende, indicado à estatueta pela montagem de Cidade de Deus (2002). Não emplacou vaga, mas mostrou que o processo melhorou (e muito) em relação ao do ano anterior.
2. Aprender lições com Pequeno Segredo. Para o Oscar 2017, a comissão preferiu Pequeno Segredo, história sobre a família de navegadores Schurmann, em vez de Aquarius, produção inquietante de Kleber Mendonça Filho, um de nossos melhores cineastas contemporâneos, e concorrente à Palma de Ouro em Cannes. Talvez tenha ficado uma lição de toda aquela polêmica: precisamos escolher nosso melhor filme e não tentar adivinhar qual longa mais agradaria à Academia.
3. Presença em festivais importantes e repercussão social: meio caminho para chegar ao Oscar. Historicamente, ter passado por grandes vitrines do cinema faz a diferença quando a Academia elege seus cinco postulantes ao prêmio. Aquarius, elogiado em Cannes, tinha totais condições de emplacar indicação – em 2017, os favoritos (o vencedor O Apartamento, do Irã, e o alemão Toni Erdmann) também tiveram suas primeiras exibições no evento francês. Nossa experiência prova isso. Sem contar Orfeu Negro (1959), coprodução internacional baseada na peça de Vinicius de Moraes que venceu a estatueta pela França, tivemos quatro indicados. O Pagador de Promessas (1962) faturou a Palma de Ouro (nossa única) em Cannes. O Quatrilho (1995) não estreou em nenhum grande festival, mas teve apelo popular. O Que É Isso, Companheiro? (1997) esteve em Berlim. Central do Brasil (1998) ganhou Berlim. Cidade de Deus (2002) foi tão bem recebido por crítica e público que transcendeu a própria categoria, concretizando quatro indicações (diretor, montagem, roteiro adaptado e fotografia).
4. A categoria mudou muito desde Central do Brasil. Em certo sentido, todo o Oscar passou por mudanças nas últimas duas décadas. Há todo um movimento em prol das mulheres e da diversidade étnica que tem mexido com as bases (antes mui caretas e previsíveis) da Academia. Não é diferente na categoria de melhor filme estrangeiro, a cada ano mais “antenada” com o que acontece no mundo e nos festivais de cinema. Os longas que geralmente faturam a estatueta carregam assuntos do momento, assinatura de promessas (ou grifes, caso recente do iraniano Asghar Farhadi, duas vezes vencedor num espaço de cinco anos) do audiovisual contemporâneo e marcas capazes de condensar fraturas sociais, riqueza cultural e particularidades de um país. Como todo prêmio, também está sujeito a escolhas precipitadas.
5. Oscar não pode ser meta. Mas consequência. Há quem diga que fazemos comédias demais. O problema nunca foi o gênero propriamente dito. Mas como ele é trabalhado no cinema brasileiro. A maioria das nossas comédias exibem um formato desinteressante do ponto de vista cinematográfico: conversam com grandes públicos, mas trazem molde televisivo gasto e repetitivo. Fato é que precisamos de mais diversidade de vozes, regiões e gêneros. O circuito de cinema também leva a culpa, por não distribuir filmes independentes para mais pessoas e reduzir o alcance de jovens diretores.