Dois estudantes morreram na terça-feira passada e 14 ficaram feridos quando um colega de classe abriu fogo do lado de fora de uma escola em Benton, no Estado do Kentucky. Foi o terceiro tiroteio em uma escola dos Estados Unidos em 48 horas e o 11º desde o início do ano.
As vítimas foram Bailey Holt e Preston Cope, ambos de 15 anos. Um adolescente da mesma idade foi preso e acusado pelo ataque.
“Os americanos têm aceitado essas atrocidades como algo comum, parte da vida aqui”, comentou um leitor no site do New York Times.
O caso colocou o assunto na pauta do dia dos jornais e reacendeu o debate sobre possíveis soluções para o problema, como capacitar professores para reagir em situações desse tipo – o que já tem sido adotado em alguns Estados nos EUA.
Há um número crescente de políticos americanos que têm proposto novas leis que visam aumentar o número de armas de fogo nas escolas e em outros prédios públicos, além de armar professores e funcionários das escolas como meios de defesa.
Projetos de lei
Horas após o tiroteio, por exemplo, o senador republicano Steve West apresentou um projeto de lei que permitiria às escolas do Kentucky contar com patrulhas de segurança armadas.
O projeto, que recebeu o apoio interpartidário do senador democrata Ray Jones, se junta a outro no Estado que busca flexibilizar restrições a armas no entorno de universidades.
“Precisamos de agentes armados em todas as escolas do Kentucky”, disse Jones. “Esse é um preço pequeno a pagar se salvar a vida de uma criança”.
A proposta se soma a uma série de leis estaduais formuladas nos últimos anos para colocar mais armas nas escolas.
Mais recentemente, em novembro, membros do Senado de Michigan (os Estados americanos são bicamerais, têm Senado e Câmara) aprovaram projeto que permitiria a professores nas escolas primárias, secundárias e de ensino médio manterem armas em um local sigiloso dentro da sala de aula.
Legislação semelhante foi aprovada neste ano na Flórida, em Indiana, na Pensilvânia, em Mississippi, na Carolina do Sul e em West Virginia.
Se bem-sucedidos, esses Estados se juntariam a pelo menos nove que já permitem algum tipo de porte de armas em instituições de ensino. Cada novo tiroteio em escolas reacende um longo debate sobre se a solução seria aumentar o controle sobre as armas ou relaxar as regras para porte delas.
“Se queremos falar sobre prevenção de tiroteios em escolas, deveríamos estar falando, em primeiro lugar, sobre impedir os jovens de terem armas nas mãos”, disse Adam Skaggs, diretor do Giffords Law Center to Prevent Gun Violence, organização que defende a aprovação de leis, políticas e programas que ajudem a evitar a violência armada . “Essas são as leis para as quais deveríamos estar discutindo”.
Pressão
A multiplicação de iniciativas para armar professores e funcionários de escolas remonta a 2012, na esteira de um tiroteio ocorrido na escola primária de Sandy Hook, em Connecticut, em que vinte crianças e 6 professores morreram.
Em meio à comoção pública gerada pelo massacre e à consequente pressão pública pelo controle de armas, a Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) atuou fortemente na direção oposta.
“O único jeito de parar um cara mau com uma arma é ter um cara bom com uma arma”, disse o vice-presidente executivo da entidade, Wayne LaPierre, uma semana após o tiroteio. A frase virou bordão e passou a servir como base para a atuação da NRA do Congresso americano, onde busca influenciar a formulação de leis.
O grupo pró-armamento chegou a publicar documento exigindo a presença de agentes ou funcionários armados em todas as escolas dos Estados Unidos. Em 2013, um ano após o episódio em Sandy Hook, sete Estados promulgaram leis autorizando que professores e funcionários portassem armas.
“Nos últimos dois ou três anos vimos uma explosão de projetos de lei para obrigar escolas a permitirem a presença de armas ou a armarem seus professores”, disse Skaggs.
“E não se trata apenas de promover a ideia de que as pessoas precisam de armas nas escolas para estarem seguras. É a ideia de que as pessoas precisam de armas em todos os lugares – nas ruas, nos parques públicos e até em edifícios governamentais”.
Defensores das medidas afirmam que elas são a única maneira efetiva de proteger os alunos.
Eles usam como argumento, por exemplo, as escolas em zonas rurais, mais afastadas, onde uma resposta da polícia para uma situação de emergência, como um tiroteiro, pode levar muito tempo. As zonas sem armas, por sua vez, estariam criando “alvos vulneráveis”, segundo esses grupos.
No Kentucky, palco do tiroteio de terça-feira, o republicano Tim Moore apresentou projetos de lei em 2017 e 2018 em um esforço para diminuir restrições a armas nas escolas e universidades.
“Sempre que pessoas mal-intencionadas quiserem fazer mal aos outros em nosso país – incluindo a crianças inocentes – irão buscar locais onde sabem que haverá chances mínimas de resistência”, disse ele, em entrevista por telefone.
“Mas permitir que cidadãos que cumprem a lei sejam devidamente treinados, devidamente avaliados, com uma verificação profunda de seu histórico, de antecedentes criminais… a isso são colocados obstáculos”.
Estatísticas
Tiroteios em escolas passaram a chamar a atenção da opinião pública em abril de 1999, quando Eric Harris e Dylan Klebold assassinaram 12 estudantes e um professor na Columbine High School, uma escola de ensino médio em Littleton, Colorado. O “saldo” desse massacre já foi, no entanto, suplantado pelos tiroteios em Virginia Tech, na Universidade Estadual da Virgínia, com 33 mortos, na escola primária Sandy Hook (25 mortos) e em outras 203 ocorrências com tiros em escolas ou no entorno delas.
De acordo com um estudo do FBI que contemplou 160 casos envolvendo atiradores, entre os anos 2000 e 2013, aproximadamente um quarto dos casos ocorreu em ambientes educacionais e mais da metade foi registrado em escolas primárias ou secundárias.
E as estatísticas não pararam por aí.
Quatorze anos após Columbine, a aproximadamento 12 km de lá, Littleton foi palco de outro tiroteio. Portando duas armas, Karl Pierson, de 18 anos, foi até a Arapahoe High School, em dezembro de 2013, e atirou na cabeça de Clare Davis, de 17, antes de se matar na biblioteca da escola.
Treinamento
Um dos primeiros policiais a chegarem ao local naquele dia foi Quinn Cunningham, membro da SWAT, unidade de polícia especializada dos EUA. Ainda em serviço, o policial agora treina professores para portar armas de fogo e reagir em situações em que haja ameça de atiradores.
Ministrado em três dias, o treinamento “Faster” (mais rápido, em português) é financiado pela organização Coloradans for Civil Liberties, do Estado do Colorado. A programação inclui um dia de “desenvolvimento de capacidade de raciocínio”, que consiste em preparar os professores para a possibilidade de terem de atirar para matar um de seus próprios alunos.
Cunningham, hoje com 44 anos, pede aos professores para fecharem os olhos e imaginarem o estudante entrando na sala de aula com uma arma.
Na prática, o professor teria apenas uma fração de segundo para avaliar a situação e reagir. Essa é a parte mais difícil e emocional do treinamento e leva alguns dos participantes às lágrimas.
“Mas, se pudermos fazê-los vencer a situação primeiro em suas mentes, em um cenário real eles terão êxito”, disse Cunningham.
Cinco membros da equipe da Fleming High School, situada no nordeste do Estado, se voluntariaram no ano passado para o treinamento – que ocorre nas férias de verão, para que os alunos não saibam quem está envolvido.
Uma professora que já participou, e que pediu para manter seu nome em sigilo, disse que decidiu imaginar seu aluno favorito durante os exercícios – em um esforço para se manter firme na pior eventualidade possível.
“Professores não devem ter favoritos, mas, você sabe, sempre há aqueles alunos que ficam mais próximos”, disse ela. “Só que se aquele aluno tomou a decisão errada de pôr todo mundo em perigo, eu terei de fazer algo a respeito”.
A escola agora tem cartazes em todas as entradas anunciando que alguns professores portam armas. Os estudantes passaram cerca de uma ou duas semanas tentando adivinhar quais deles seriam, antes de desistir, disse a professora.
Os voluntários da Fleming High foram submetidos a checagem de antecedentes criminais e a análises de tensões na voz, semelhante a um teste de detector de mentiras, disse Steve McCracken, superintendente da escola. Os cinco foram aprovados.
“No fim das contas, ninguém na escola ou na comunidade é a favor de ter armas, mas se uma pessoa ruim vier até a escola, agora estaremos aptos a lidar com a situação”, disse ele.
Fonte: bbc
Créditos: bbc