Em tempo recorde, o termo que descrevia um fenômeno de mídia social se tornou um jargão jornalístico e também sinônimo de difamação.
Mas como a expressão fake news evoluiu – e o que vem pela frente no mundo da desinformação?
Em meados de 2016, o editor de mídia do site Buzzfeed, Craig Silvermann, identificou uma onda de histórias completamente inventadas que pareciam ter sido originadas em uma pequena cidade do leste europeu.
“Acabamos descobrindo um conjunto de sites, todos registrados na cidade de Veles, na Macedônia”, lembra Silvermann.
Ele e um colega começaram a investigar e, pouco antes da eleição americana, constataram a existência de pelo menos 140 sites de notícias falsas, que estavam atraindo muitos cliques no Facebook.
Os jovens de Veles podiam não ter interesse na política americana, mas, por causa do dinheiro proveniente da publicidade online, queriam que suas histórias fictícias reverberassem nas redes sociais. A eleição presidencial americana – e especificamente Donald Trump – eram perfeitos para isso.
Neste contexto, os macedônios e outros criadores de notícias falsas criaram deliberadamente reportagens com títulos como: “Papa Francisco choca o mundo e apoia Donald Trump” e “Agente do FBI suspeito no caso de e-mails vazados de Hillary é encontrado morto em um aparente caso de suicídio-assassinato”.
Todas completamente inventadas.
E assim começou a se propagar o termo fake news.
Nada de novo
Desinformação, boatos e mentiras existem há tempos. Mas o que Silverman e outros descobriram foi uma combinação perfeita entre algoritmos das redes sociais, sistemas de publicidade, pessoas dispostas a inventar conteúdo para ganhar dinheiro fácil e uma eleição polêmica no país mais poderoso do mundo.
Após a vitória de Trump, o blog BBC Trending se debruçou sobre o universo de grupos pró-Trump no Facebook, onde havia muita informação falsa circulando.
A maior parte do conteúdo era de comunicação política tradicional: anúncios espalhafatosos e elogiosos, forte apoio popular para alguma causa e ataques ao adversário.
Havia memes mostrando Trump como um líder destemido, apoio à promessa de campanha de deportar imigrantes ilegais e biografias resumidas descrevendo o candidato como “a perfeita definição da história de sucesso americana”. Raramente havia algo equilibrado – mas nem todos esses conteúdos podiam ser classificados como fake news.
Para explicar a vitória de Trump, estudiosos transformaram o uso de fake news em uma das possibilidades.
Entrando na política
Hoje em dia, o termo vai muito além dos adolescentes da Macedônia que buscavam ficar ricos rapidamente.
O presidente Trump até criou o prêmio “Fake News Awards” para repórteres que cometeram erros e fizeram previsões medíocres – com destaque especial para todas as reportagens sobre as investigações em curso sobre uma possível intervenção russa nas eleições e a suposta ligação do governo russo com a campanha republicana.
Mas dizer que Trump foi o primeiro político a utilizar esse termo também seria fake news.
Em 8 de dezembro de 2016, Hillary Clinton fez um discurso em que mencionou “a epidemia de notícias falsas maliciosas e de propaganda enganosa que inundou as redes sociais no último ano”.
“Agora está claro que as assim chamadas fake news podem ter consequências reais”, disse ela. “Isso não se trata de política ou de partidarismo. Vidas estão em risco… pessoas comuns que estão apenas tentando viver suas vidas, fazer seu trabalho, contribuir para suas comunidades.”
À época, alguns jornalistas interpretaram as observações de Hillary como uma referência ao Pizzagate, acusação falsa de que a candidata comandaria uma rede de pedofilia cuja sede ficaria numa pizzaria em Washington.
Tudo começou com um boato de que escravos sexuais eram mantidos numa pizzaria mencionada numa troca de e-mails de funcionários da democrata – e terminou dias antes do discurso dela, quando um homem entrou no estabelecimento com um rifle. Ninguém se feriu, e o homem foi preso.
Mas naquele discurso, Hillary também pediu a seus eleitores que ajudassem a proteger “a nossa democracia”. Alguns jornalistas interpretaram issop como uma referência às eleições.
O presidente Trump usou a frase no mês seguinte, em janeiro de 2017, uma semana antes de tomar posse. Em resposta à uma pergunta da imprensa, ele chamou um repórter da CNN de fake news. Ao mesmo tempo, começou a repetir o termo no Twitter.
“Aquilo sinalizava para muitas pessoas que apoiaram Trump e fizeram sites para apoiá-lo que ele estava dizendo ‘vamos transformar esse termo em algo nosso'”, diz Silvermann.
Palavras sem uso
Desde então, a expressão tem sido usada constantemente por líderes mundiais, políticos, jornalistas e pessoas comuns.
Uma busca do termo fake news na seção de notícias do Google resulta em mais de 5 milhões de resultados – e somente neste mês o termo já foi usado 2 milhões de vezes no Twitter.
E, ao contrário do que se pensa, essa corrente de notícias falsas não é consumida apenas por apoiadores de políticos radicais ou por pessoas com baixa escolaridade. Em abril de 2017, o BBC Trending noticiou que havia uma onda de notícias falsas sobre Trump.
Especialistas dizem que pessoas com nível alto de escolaridade também podem ser enganadas por mentiras e frequentemente são mais refratárias quando expostas a informações que desafiam suas opiniões.
Mas a onipresença do termo fake news talvez esteja começando a torná-lo sem sentido. Todo tipo de conteúdo – descontextualizado, manipulado, baseado em teorias da conspiração, incorreto ou que as pessoas apenas não gostam – passou a ser rotulado com a expressão.
“Nós da mídia somos responsáveis por isso”, diz Alexios Mantzarlis, diretor do instituto internacional de checagem de fatos Poynter.
“Logo após a eleição, em editoriais e artigos, começamos a chamar de fake newsum pouco de tudo. Deveríamos ter consciência de que nossa indústria é, em parte, responsável por essa confusão.”
Assim, alguns especialistas com vasta experiência na área começaram a recuar do bombardeio de fake news.
“A razão pela qual eu não gosto desse termo é porque ele é usado agora para descrever qualquer coisa”, afirma Clare Wardle da First Draft News, agência sem fins lucrativos de checagem de fatos, baseada no centro Shorenstein da Universidade de Harvard, nos EUA.
“Quer seja um post patrocinado, um anúncio, um meme, um ‘bot’ (robô) do Twitter, uma fofoca – as pessoas usam esse termo para qualquer informação que não gostem.”
“Se a gente quer pensar em maneiras de intervir na (produção de notícias falsas), precisamos ter definições mais claras.”
Wardle diz que a obsessão com o termo fake news – e, sim, essa reportagem pode ser incluída nela – também está prejudicando a credibilidade de veículos até então confiáveis.
“As pessoas estão dizendo ‘Eu não sei em quem acreditar ou em quem confiar’. Minha preocupação é que a maneira como estamos debatendo alguns desses problemas esteja sendo pior do que o dano causado inicialmente pela informação falsa.”
Mantzarlis diz que, ao mesmo tempo em que se preocupa com a disseminação do termo fake news, não quer abandoná-lo totalmente – mas gostaria de vê-lo restrito a descrições de histórias inventadas para fins de spam que surgem na linha do tempo do Facebook.
“Não é porque alguém está usando o termo com um significado diferente que ele perde seu valor. Se alguém começa a chamar um telefone em formato de banana de megafone, não significa que os outros precisam parar de chamá-lo de telefone”, compara.
Viralizando
O que possibilitou a versão moderna das fake news, ou a desinformação, foi o crescimento explosivo das redes sociais.
“Em seus primórdios, usuários do Twitter diziam que a rede se filtrava automaticamente porque havia notícias falsas, mas a comunidade as derrubava rapidamente”, diz Wardle.
“Mas agora, com a automação e os robôs, a rede foi sobrecarregada. Há mais pessoas checando dados, mas estamos em uma escala muito avançada, difícil de conter.”
O que fazer então? A checagem de notícias funciona, diz Alexios Mantzarlis, mas uma solução automatizada não é a única resposta.
“Estamos anunciando a checagem de dados feita por robôs há 20 anos e não estamos nem um pouco perto disso (de resolver o problema)”, afirma.
“O que se pode fazer é ajudar as pessoas, os jornalistas, a identificar alegações suspeitas e a acessar mais rapidamente os dados que precisam verificar.”
Nem todas as instituições de checagem de notícias no mundo juntas serão capazes de derrotar sozinhas cada notícia falsa. E embora haja dúvidas quanto à eficácia da checagem de dados, Mantzarlis acredita que esse trabalho tem um impacto importante.
“O que vimos nos últimos dois anos é que, independentemente de sua preferência política, quando as pessoas leem uma notícia falsa e depois sua correção, elas deixam de acreditar na notícia falsa.”
Segundo ele, as pessoas podem ser resistentes aos fatos, mas poucas são imunes a eles.
Relíquia de 2017
No futuro, o termo fake news pode se tornar uma relíquia da febre de 2017 (se tivermos sorte). Mas a luta contra a desinformação não morrerá. Empresas e governos estão tomando ações concretas – e suas consequências serão sentidas por algum tempo.
“O Google e o Facebook anunciaram que vão contratar pessoas para revisar conteúdo e reforçar seus termos de serviço, para manter suas plataformas livres de conteúdos falsos e ilegais. Estou curioso para ver como isso de fato será feito”, diz Silvermann, do Buzzfeed.
“O obscurantismo dessas plataformas, seu poder e o fato de que os discursos agora estão em seu âmbito é algo que merece nossa atenção. Temos que nos certificar de que não iremos transformar locais de desinformação em lugares tão fechados que possam inibir qualquer discurso”, diz ele.
Além da atenção redobrada à influência das empresas de tecnologia, especialistas também se preocupam com o poder dos governos.
“Às vezes, legisladores bem intencionados, mas mal informados, exageram e causam mais dano do que o problema que estão tentando consertar com leis sobre fake news”, diz Mantzarlis, citando propostas de diversos países europeus.
A mais abrangente entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2018 na Alemanha. A lei prevê que as redes sociais removam rapidamente mensagens com discurso de ódio, fake news e conteúdo ilegal, com multas de até 50 milhões de euros (R$ 195 milhões) se não o fizerem.
E para além dos textos políticos virais, há novas fronteiras que os checadores de informações estão tentando cruzar.
“Eu realmente acho que temos que pensar mais no visual das coisas. As imagens são um poderoso veículo da desinformação”, afirma Claire Wardle.
Fotos e montagens circulam rapidamente em aplicativos fechados como o WhatsApp. Muita desinformação sobre saúde, religião e sociedade está sendo propagada fora dos Estados Unidos, em países em desenvolvimento, embora o debate sobre notícias falsas esteja focado somente no Ocidente.
“O WhatsApp é poderoso porque o que é transmitido pela plataforma passa por uma rede muito próxima de contatos. Por isso, eles são mais propensos a confiar um no outro”, diz Wardle.
Impacto?
Existe, no entanto, uma questão essencial nesta discussão: qual é o verdadeiro impacto da desinformação nos eleitores? Desde que o debate tomou forma no ano passado há desavenças sobre o possível efeito prático das notícias falsas na maneira como as pessoas votam.
No primeiro estudo acadêmico sobre o consumo de notícias falsas, pesquisadores das universidades de Princeton e de Dartmouth, nos EUA, e da Universidade de Exeter, na Inglaterra, estimaram que 25% dos americanos visitaram um site defake news em um período de seis semanas durante as eleições americanas de 2016.
Mas também descobriram que as visitas eram extremamente concentradas: 10% dos leitores fizeram 60% das visitas. Por isso, concluíram que fake news não impede que as pessoas também consumam as notícias tradicionais.
“O alcance foi relativamente alto, mas não tão profundo. É precipitado afirmar que as pessoas estão votando de determinada maneira por causa de notícias falsas”, diz Mantzarlis.
“Precisamos de mais pesquisas para saber se podemos dizer que isso está envenenando nossa democracia ou apenas ajudou uma ou outra pessoa ganhar uma eleição.”
Fonte: BBC
Créditos: BBC