Por que crescemos tão pouco

Marcos Coronato e José Fucs com Nathalia Prates

Uma das imagens mais eloquentes para o esforço, na literatura brasileira, foi criada pelo cronista Nélson Rodrigues. Quando se referia a alguém que suava em busca de um objetivo, ele escrevia: “Trabalhou como um remador de Ben-Hur”. O protagonista do filme estrelado por Charlton Heston é um rico negociante judeu que, com a dominação romana na Galileia, torna-se escravo e é obrigado a remar exaustivamente numa galera. Diante da notícia do crescimento de apenas 2,7% na economia brasileira em 2011, divulgada na semana passada, o brasileiro que trabalha duro se sentiu pior que o remador de Ben-Hur. A barca em que nos esfalfamos diariamente, além de pesada, é travada por uma âncora, por isso dificilmente sai do lugar. O índice de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) não é apenas um número abstrato que os economistas calculam, os políticos divulgam e os analistas discutem. Dele depende, em última análise, nossa vida. Os aumentos e as promoções que recebemos no trabalho e também as novas oportunidades de emprego. Pensando na barca, e não apenas no remador, ele influencia também a ascensão dos brasileiros mais pobres e a redução de uma infinidade de problemas, da mortalidade infantil à violência urbana.

Para nós, seria bom que a economia avançasse entre dois limites de velocidade importantes. O limite mínimo é 3% ao ano, fundamental para criar o cerca de 1,5 milhão de empregos anuais necessários apenas para absorver os novos profissionais que entram no mercado de trabalho. Também precisamos superar esse limite mínimo para tirar mais e mais brasileiros da miséria e da pobreza – apesar da melhora dos últimos anos, ainda há quase 50 milhões de pessoas nessa situação. Se o país crescer em ritmo inferior a esse limite, como ocorreu em 2011, não estará avançando, e sim arrastando-se, sem conseguir se aproximar do tão sonhado destino de se tornar uma nação desenvolvida.

O limite máximo, conhecido entre os economistas como “PIB potencial”, mostra o ritmo em que o país pode acelerar sem explodir o motor – sem que a inflação dispare. Há dois anos, acreditava-se que ele passava dos 5%. Um número crescente de economistas vem duvidando desse número. Como o Brasil já vem se expandindo, mas investe pouco na capacidade de produção futura – infraestrutura e capacitação da força de trabalho –, o PIB potencial pode girar em torno de 4% ao ano, talvez menos. O país precisa elevar esse limite. Mas a pergunta que todos se fazem é: “Por que é tão difícil crescer, mesmo nessa faixa pouco ambiciosa?”.

A crise global representa, neste momento, uma resposta tão fácil quanto enganadora. A crise realmente atrapalha os planos de todos, de pequenos empresários aos governos mais poderosos do mundo. Todos os países tentam comprar menos e vender mais, e isso torna o mercado pior para todos. Mas a crise não impediu que países em nível de desenvolvimento parecido com o nosso, como Argentina, México ou Turquia, andassem mais rapidamente (leia na tabela abaixo). O Brasil cresceu menos do que precisava em parte por causa da crise, mas principalmente por seus próprios pecados – o governo federal vem protelando uma lista de mudanças que têm de ser feitas para que o país possa continuar avançando. “Já fizemos algumas reformas importantes desde a década de 1990, como a abertura comercial, as privatizações, o Plano Real e a melhor distribuição de renda. Essas reformas dão a possibilidade de o país crescer mais. Mas falta fazer algumas coisas”, diz José Alexandre Scheinkman, brasileiro e professor de economia na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Scheinkman e vários outros economistas ouvidos por ÉPOCA destacaram os principais entraves na corrida pelo crescimento – e sugeriram algumas maneiras de superá-los. Eles se encadeiam como os elos da corrente de ferro que ilustra a capa desta edição – elos que precisam ser removidos para libertar os brasileiros, em sua corrida rumo ao time dos países desenvolvidos.

AUMENTAR O NÍVEL DE INVESTIMENTO
A economia de um país avança de modo equilibrado quando se apoia em duas pernas – consumo e investimento. O consumo exige investimento maior para elevar a produção e a oferta de mercadorias. E o investimento permite produzir mais e atender o consumo futuro. Se uma perna avança, é fundamental que a outra avance também. Investimento demais sem consumo correspondente gera a suspeita de que os projetos, como novos prédios de escritórios, fábricas, usinas de energia e estradas, não se pagarão no futuro. Essa suspeita recorrente pesa sobre a China, onde o nível de investimento corresponde a quase 50% do PIB – e os cidadãos compram pouco. O Brasil sofre do mal oposto. Os cidadãos e as empresas vêm consumindo mais, mas nossa taxa de investimento está próxima de 18% do PIB, nível inferior à faixa de 20% a 25% considerada saudável para garantir o crescimento futuro sem inflação. A taxa vem crescendo desde 2003, mas muito lentamente. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prevê que ela passe dos 20% neste ano e atinja 24% em 2014. Ele fez a mesma previsão no ano passado, mas ela não se confirmou.“O Brasil investe pouco porque o governo perdeu a capacidade de poupar, por causa do crescimento dos gastos correntes desde a Constituição de 1988”, diz o economista Edmar Bacha, um dos criadores do Plano Real e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica. “No setor privado, o investimento é baixo por causa da carga tributária sufocante e do alto custo do capital.”

Nesse cenário, o governo tem dois papéis. Primeiro, sem tirar um tostão do
bolso, ele pode criar condições atraentes para que o setor privado invista em setores em que o país é frágil, como aeroportos, portos e energia. Seria preciso formular regras claras e tirar do papel, também, as reformas tributária e trabalhista – removendo, assim, bolas de ferro gigantes atadas à canela do setor privado. O primeiro passo nessa direção foi a reformulação das aposentadorias do setor público, aprovada na semana passada. É, no entanto, uma medida para o futuro. De acordo com cálculos otimistas, ela só liberará mais recursos para investimento dentro de no mínimo dez anos. A reforma trabalhista – tremendamente necessária desde que a Constituição de 1988 encareceu enormemente a mão de obra brasileira – continua no papel.

Segundo, o Poder Público tem de investir mais por conta própria. Isso só é possível quando o governo consegue poupar. A solução, nesse ponto, seria um aumento de eficiência, de preferência combinado a um corte de gastos (leia mais sobre isso no próximo item). Quem fez isso de modo exemplar foi a Coreia do Sul, que tem mantido seu ritmo de investimento em 27% do PIB, ano após ano. Trata-se de uma taxa alta, mas não absurda. O resultado foi a disparada dos coreanos rumo ao topo de todos os rankings internacionais de eficiência, competitividade e educação. Elevar o investimento público depende, portanto, de uma solução anterior: aumentar a poupança pública.