Em entrevista ao site Poder360, a senadora petista Gleisi Hoffmann falou sobre os possíveis efeitos de uma condenação do ex-presidente Lula no julgamento a ser realizado em Porto Alegre na quarta-feira (24). Os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidirão se mantêm a condenação de Lula, definida em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, no processo do tríplex no Guarujá, parte da Operação Lava Jato. Minimizando os possíveis efeitos negativos do julgamento, Gleisi afirma que esse processo “não tem nada a ver com a candidatura” do petista para as eleições presidenciais e que, mesmo se Lula for condenado, o partido não será impedido de registrá-lo como candidato no dia 15 de agosto. Faltou explicar que o partido de fato poderá pedir o registro, mas apenas o TSE pode efetivá-lo.
O Truco – projeto de checagem de fatos e dados da Agência Pública – verificou as alegações da senadora e concluiu que o discurso é exagerado. Embora a senadora esteja certa ao dizer que o partido pode pedir o registro mesmo se o candidato for condenado no TRF-4, apenas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode efetivar a candidatura. Isto é, deferir a solicitação do partido. Além disso, a senadora derrapa ao dizer que a sentença não tem relação com a candidatura, já que uma eventual condenação no julgamento marcado para a próxima quinta-feira pode resultar em indeferimento ou impugnação do registro no TSE.
De acordo com a Constituição, é a lei complementar nº 64 que define quais são os casos que configuram inelegibilidade para cargos eletivos. A lei foi alterada em 2010 pela Lei da Ficha Limpa (lei complementar nº 135), que torna inelegíveis os candidatos condenados criminalmente com sentença proferida por órgão judicial colegiado, ou seja, por um tribunal de segunda instância como o TRF-4.
Professor de direito eleitoral na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Mackenzie, Diogo Rais afirma que, de fato, a eventual condenação de Lula não resulta automaticamente em uma declaração de inelegibilidade por conta da Lei da Ficha Limpa, como muitos acreditam. “Uma coisa é a causa da inelegibilidade e outra é a declaração de inelegibilidade. A causa poderia vir de vários órgãos. Nesse caso, seria no âmbito criminal do TRF-4. No entanto, a declaração só pode ocorrer por decisão do TSE”, explica.
O professor destaca ainda que o veredito dos desembargadores de Porto Alegre pode não ser a última decisão no processo do tríplex. Se condenado no TRF-4, mesmo que de forma unânime, Lula ainda poderá recorrer dessa decisão junto ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Trata-se de um dispositivo da Lei da Ficha Limpa que permite ao candidato tentar a suspensão da inelegibilidade. “Lula pode tentar uma cautelar com base no artigo 26-C da lei complementar 64, recorrendo ao STF ou STJ, o que suspenderia a decisão de inelegibilidade, caso ela seja exclusivamente sobre este processo do TRF-4, o que parece ser o caso”, explica Rais.
Optando pelo recurso, o caso seria, então, sorteado para um juiz relator no STJ ou no STF. A decisão do relator, de suspender ou manter a causa da inelegibilidade, ainda pode ser revista por um conjunto de juízes do tribunal responsável. E a ação penal que gerou o recurso ganha prioridade de tramitação nas cortes superiores.
Concomitantemente, e mesmo se não recorrer da decisão do TRF-4, o petista pode solicitar o registro de candidatura no TSE. “Assim que pedir o registro e antes da decisão do TSE de deferi-lo ou não, Lula poderia praticar todos os atos de campanha”, esclarece o professor.
Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o jurista Gilson Dipp, ex-presidente do TRF-4, apresenta entendimento similar ao de Rais. “A prática eleitoral revela inúmeros e frequentes casos em que candidatos conseguiram a suspensão de condenações antes ou mesmo durante o embate eleitoral, o que incentiva a apresentação de candidaturas daqueles afetados por condenações provisórias”, afirma.
Diogo Rais destaca, no entanto, que o PT é responsável apenas pela apresentação da candidatura, e não pelo registro. “Quem registra é o TSE, não o partido. O partido é encarregado apenas de fazer o pedido e uma eventual condenação definitiva em segunda instância tem, sim, relação com o deferimento da candidatura, de acordo com a Lei da Ficha Limpa,’’ explica.
Segundo informações oficiais do TSE, os pedidos de registro de candidatura para presidente e vice-presidente da República devem ser entregues até às 19h do dia 15 de agosto do ano eleitoral. A partir do encerramento do prazo o TSE começa a avaliar os requerimentos. “Aí as condições de elegibilidade vão ser avaliadas pela Justiça Eleitoral para resultar em deferimento ou indeferimento de registro. Os cidadãos, os outros partidos e o Ministério Público Federal (MPF) têm ainda cinco dias de prazo para apresentar um eventual pedido de impugnação da candidatura”, explica Rais.
Para ele, o TSE deve aguardar a chegada dos pedidos de impugnação para avaliá-los em conjunto com as certidões e documentos apresentados pelo partido. O tribunal então notifica o candidato impugnado para que sua defesa seja elaborada. A data do julgamento no TSE é marcada após a apresentação dos argumentos de acusação e de defesa. Ao final, um juiz eleitoral decide pela aprovação ou reprovação da candidatura mas a decisão precisa ser referendada por um grupo de juízes do TSE. “Não existe um prazo para deferimento ou indeferimento do registro, mas a gente tem motivos para acreditar que esse processo todo vai ser curto porque o TSE só julga registros de presidente e vice. Eu estimo que em no máximo 30 dias o processo terá um resultado no TSE”, avalia.
Caso o registro de candidatura seja indeferido por conta de uma condenação em segunda instância, os advogados de Lula podem recorrer ao STF para tentar reverter a negativa do TSE. “Aí, a continuidade da candidatura dependeria de uma decisão no recurso suspendendo os efeitos do indeferimento”, afirma o professor. Enquanto o recurso aguarda para ser julgado, Lula poderia disputar as eleições com o recurso pendente. Nessa caso, seria uma candidatura sub júdice. “Quem não tem registro deferido pode concorrer com registro indeferido se ainda houver recurso pendente. É uma possibilidade, embora arriscada. Os votos recebidos pelo candidato podem ser desconsiderados caso a decisão judicial final mantenha o indeferimento”, finaliza Rais.
Fonte: Agência Pública
Créditos: Agência Pública