O talão e o talento de Agra

Rubens Nóbrega

Evidente que infração de trânsito é pra ser multada e punida na forma da lei e essa é prerrogativa do poder público, na Capital exercida primordialmente por agentes municipais de trânsito, mais conhecidos como amarelinhos e menos como agentes de mobilidade urbana, como lhes chama a designação oficial.
Mais evidente ainda me parece que multar não deveria ser a principal tarefa de um amarelinho, muito menos o seu maior instrumento de reforçar o salário, algo a que induz esse absurdo decreto do prefeito Luciano Agra que oficializou explicitamente, descaradamente para alguns, a famosa ‘indústria de multas’ em nossa cidade.
Quem lê a peça editada pelo alcaide percebe que a gratificação por ele instituída para incentivar a ‘produtividade’ dos amarelinhos é centrada na multa, no esmero do uso da caneta e do talão que aumenta a receita municipal oriunda de autuações que podem alcançar, além dos infratores reais, supostos infratores.
Não há uma linha sequer no decreto lucianista que estimule o amarelinho aumentar sua pouca remuneração mediante ações de orientação, apoio e assistência a motoristas e pedestres, seja em dias e locais de fluxo normal, em eventos de grande aglomeração humana ou acidentes que prejudiquem a fluência do tráfego.
O negócio é multar, multar e multar. É multando que se ganha mais. É multando que se é valorizado sob a lógica da voracidade punitiva do agente e a insaciabilidade arrecadadora de um governo que a cada dia oferece mais e mais motivos para os administrados desconfiaram da competência de seus administradores.
Em razão do já tristemente afamado decreto, recomendo a todos que comecem a rezar. Rezem para que o prefeito tenha um surto de bom senso e revogue o ato. Caso contrário, corremos o risco de assistir a partir de hoje, operando em nosso trânsito, uma linha frenética de produção de multas, de canetadas equivocadas, forçadas ou – quem sabe – dolosamente plantadas para engordar o contracheque do agente multador.
Razões para desacreditar
Esse decreto e muitas otras cositas mas me fizeram desacreditar no Luciano Agra técnico, gestor, prefeito… Deixei de acreditar até mesmo nos pretensos conhecimentos e expertises que ele ostenta enquanto membro da comunidade acadêmica, enquanto professor com título de Mestre em Mobilidade Urbana.
Esse decreto passou da conta, embora nada mais me espante vindo de onde ou de quem vem. E lhes digo que minha descrença começou quando Luciano Agra, secretário de Planejamento da Prefeitura da Capital, autorizou loteamento de terreno no José Américo que do dia pra noite ficou pelado de árvores, muito provavelmente na base da moto-serra e trator. Um terreno colado à Mata do Buraquinho, diga-se.
O argumento utilizado pelo então secretário para liberar o loteamento, além de risível, insultava inteligências medianas como a do colunista. O proprietário “comprometia-se” a preservar o que restava de verde na área, justificava o à época titular da Seplan em despacho que denunciei documentadamente ainda no tempo de colunista do Correio.
Deixei de acreditar em Luciano Agra como prefeito também quando ele desapropriou e indenizou lote inindenizável da Fazenda Cuiá por quase R$ 11 milhões na véspera da eleição de 2006. A área era e é de preservação permanente e por conta do que fez o alcaide responde a mais um processo por improbidade administrativa, processo esse movido pelo Ministério Público Estadual.
ONDE BATER, ROLA!
Para explicar melhor porque cortei o crédito do prefeito no banco da minha consciência de cidadão e contribuinte, vou nem me estender a outros acontecimentos…
Certamente cansaria o leitor repisar a merenda da SP Alimentação, que ele herdou de Ricardo Coutinho e por ela também responde judicialmente. Enfadaria a leitora rever a lista dos escândalos das licitações questionadas ou sub judice, marcadas por denúncias de superfaturamento tanto na compra de produtos como na contratação de obras e serviços diversos.
Vale a pena observar, contudo, que na era Luciano Agra os negócios públicos municipais envolvendo interesses particulares parecem ter aprimorado um talento esférico para assombrar ou revoltar pessoas de bem. Como diria um professor amigo meu, graças a esse talento, onde bater, rola! Do livro didático ao utensílio da creche, do lixo à carne (ou caçambas) do gari… Onde bater, rola!
Por último, confesso que deixei de acreditar no Luciano Agra urbanista porque ele apresentou um projeto de mobilidade urbana que se limita praticamente ao asfaltamento e alargamento de ruas e avenidas, com o conseqüente encurtamento de calçadas e estreitamento de canteiros de nossos corredores.
O plano é perfeito para entupir o trânsito da cidade de mais e mais carros e os nossos pulmões, de mais e mais monóxido de carbono. De outro lado, a iniciativa do prefeito revela-se agora importantíssima ajuda à produtividade dos amarelinhos. Afinal, mantém os ônibus como única alternativa de transporte de massa na Capital e com isso garante que as garagens particulares continuarão vazias a maior parte do tempo.