Frustrações empresariais 2

Rubens Nóbrega

Já lhes contei ontem, mas não esgotei o relato de minhas frustrações empresariais. Esqueci de dizer, por exemplo, que deixei de fechar negócios incríveis, oportunidades de ouro nas quais não acreditei ou não percebi o potencial para transformá-las em fábulas de dinheiro.

Não botei fé na maioria desses negócios porque envolviam decisões de governo que – jurava este crédulo eleitor – os caras que estavam no poder jamais teriam coragem de tomar. Como aquela quebra do gabarito de construção para permitir o erguimento de uma floresta de espigões onde só deveria haver uma floresta de árvores.

Pois não é que os caras derrubaram as árvores e por decreto os parâmetros construtivos do bairro que fica no planalto da minha cidade do qual se descortina o Atlântico! Mas como eu entro (ou não entrei) nesse negócio? Vejam só o que aconteceu.

Amigo meu tinha uns terrenos e uma casa naquele bairro, situados bem pertinho da falésia de uma praia muito bonita. Ele, passando por aperto muito grande, quis me vender baratinho os seus imóveis. Preço bom, muito bom, mas recusei a oferta.

– O que diabos eu vou fazer com esses terrenos, se ali só dá pra construir casa no meio da mata? E quem vai querer comprar essas casas e morar lá? – questionei.

– Ah, camarada, tão falando por aí que os home vão modificar o padrão de construção na área. Dizem que tem grana forte na parada. Eu só estou vendendo porque tô muito precisado, caso contrário, aguardava mais um pouco e ganhava uma fortuna – disse o meu amigo.

Fiz cara de espanto diante daquela revelação. “Quem, Fulano? O que é isso, companheiro? Se você dissesse isso de outro, podia até acreditar… Mas, Fulano? Esse, não. Por ele boto minha mão no fogo”, rebati no ato, achando aquilo injurioso.

Não precisa dizer que queimei a mão… Na ocasião, achei mesmo que o meu endividado amigo estava apelando, fazendo qualquer coisa pra se livrar do mico dos terrenos e reunir algum dinheiro para pagar as dívidas em que estava atolado.

Soube depois que ele andou oferecendo pra muita gente, botou anúncio em jornal, plaquinhas no local com número de telefone e tudo o mais e não apareceu um comprador sequer, pra fazer remédio. Mas a agonia não durou dois meses.

Encontrei-o depois desse tempo no cafezinho do Tambiá, com um sorriso de orelha a orelha e um papel na mão. Mostrou-me, triunfante.

Era cópia do decreto que alterou o gabarito de construção naquele bairro que eu tinha na conta de um santuário ecológico e sonhava em vê-lo transformado em um parque florestal no futuro.

– Não disse a você, camarada? Pois, taí. Agora, pode aguardar. Daqui a seis meses, não mais, você vai ver o paredão de espigões que aquilo lá vai ficar. É o progresso, camarada, é o progresso! – falou, sem conter o riso de gozação com que me colocava a par daquelas terríveis novidades.

Foi nesse momento que consolidei a certeza da minha falta de tino e de visão para os negócios. Ao mesmo tempo, firmei outra certeza bem mais inquietante: o sujeito no qual acreditei, votei e pedi votos pra ele não era nada diferente dos outros.

Era pior, muito pior, inclusive porque fazia praça de homem sério, íntegro, probo. Enquanto isso, por debaixo dos panos… Mas, tem nada não… Vamos pra frente. Um dia ainda acerto! Tanto no negócio quanto no candidato.

Nova chance do acerto apareceu-me cerca de um ano depois, quando um primo que tem um depósito de material de construção ofereceu-me sociedade pra montar uma fabriqueta de pedras de fazer piso de calçada.

“Já ouviu falar em intertravada?”, perguntou-me. “Inter o quê?”, foi a minha resposta de completo desconhecedor.

Ele me contou, então, do que ouvira falar de gente do ramo: todos os projetos de reurbanização de logradouros da cidade, sobretudo os passeios, seriam feitos com a utilização daquelas pedrinhas, as tais intertravadas.

“Quem tiver essa pedra pra vender vai lavar a jega”, assegurou-me o primo.

Mais uma vez, deixei de partilhar uma mina de ouro porque não acreditei que os ‘home’ seriam capazes, que não chegariam a tanto. “Até nisso?”, indaguei a mim mesmo, para de pronto descartar aquela idéia. Mas o danado de meu primo disse mais.

“Olha, primo véi, além das pedras, estou querendo fazer estoque de umas telhas diferenciadas que, também ouvi dizer, todos os quiosques da beira-mar vão ter que usar em futuro muito próximo. Depois virão escolas, creches, postos de saúde…”, revelou.

Contou ainda que já se sabia até de quem fora avisado por pessoas do círculo íntimo do poder que intermediavam esse tipo de transação, de facilidade.

“Tem uma cerâmica de uma cidade vizinha que concentrou toda a sua produção nessas telhas. E o dono diz pra quem quiser ouvir que vai ficar rico”, acrescentou.

Ainda incrédulo, fugi à tentação de me aventurar num ramo completamente desconhecido, apesar de lá no íntimo desconfiar que o meu primo poderia estar falando a verdade.

Afinal, depois do decreto modificando a altura das construções, as pedrinhas e as telhas seriam ‘pinto’. E elas vieram, de fato, e estão por aí, cada vez mais presentes nas calçadas e cobertura das barracas de praia, do centro, das praças de bairros…

Por essas e outras, decidi me arriscar nuns troços completamente diferentes. É porque outro passarinho me contou que se eu tiver ambulâncias pra alugar e avião usado pra vender devo me dar muito bem ainda este ano. Vou cuidar, vou cuidar.