O estudante de administração Gabriel Araújo conheceu o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) em um meme no Facebook. Era final de 2013, e o jovem da Baixada Fluminense, hoje com 22 anos, estava desencantado com a política e com o país. Não acreditava em mais ninguém. Foi depois do meme que nasceu sua admiração ao hoje pré-candidato à Presidência da República.
O parlamentar conservador aparece em segundo lugar em pesquisas recentes de intenções de voto. Segundo o Datafolha, 16% dos eleitores votariam nele. À sua frente está o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 36%, e atrás, Marina Silva (Rede), com 14%.
Neste cenário, um detalhe tem chamado a atenção de analistas e cientistas sociais: 60% dos eleitores de Bolsonaro têm entre 16 e 34 anos. Desses, 30% têm menos de 24 anos. O percentual é significativo quando comparado com a atração ao público jovem de seus principais concorrentes: 45% dos que disseram votar em Lula têm menos de 34 anos. Entre os que preferiram Marina, 49% estão nessa faixa etária.
Por que parte da juventude apoia de maneira apaixonada um ex-militar cuja atuação em seus 26 anos de Congresso (sete mandatos) vinha tendo pouco brilho?
Um consenso entre pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil é de que Bolsonaro é um dos principais atores políticos nas redes sociais – e que parte de sua força entre jovens pode derivar desse fato. Gabriel, por exemplo, viu o meme, pesquisou vídeos do deputado no YouTube e passou a acompanhar diariamente sua página no Facebook – o perfil do político tem 4,7 milhões de seguidores.
Entre seus adversários na corrida presidencial, Lula tem 3 milhões, João Doria, 2,9 milhões. Marina tem 2,3 milhões.
Neste mês, um levantamento do Ibope mostrou que os eleitores brasileiros com acesso frequente à internet representam 68% do total de eleitores. Entre os que expressam preferência por Bolsonaro, no entanto, a situação é bastante diferente. “Nossa pesquisa mostrou que 90% dos eleitores de Bolsonaro têm acesso à rede”, diz Márcia Cavallari, diretora do Ibope.
“Bolsonaro sabe muito bem utilizar as redes sociais, conhece a linguagem que viraliza, usa frases curtas de efeito apelativo, cria polêmica, fala o que pensa. Ele é um performer”, diz Esther Solano, doutora em ciências políticas e professora da Universidade Federal de São Paulo.
Para Moysés Pinto Neto, professor de filosofia da Universidade Luterana do Brasil, Bolsonaro criou um personagem midiático que joga com a incerteza sobre o tom do que diz. “Em um vídeo (gravado em 1999), ele disse que mataria pelo menos 30 mil pessoas no Brasil. Ele está falando sério ou não? Não dá pra saber”, diz o acadêmico, que vem pesquisando como movimentos sociais de direita atuam nas redes sociais.
Este tipo de discurso foi elogiado por três jovens eleitores do deputado em entrevista à BBC Brasil.
“Vi Bolsonaro pela primeira vez em 2014, em um vídeo no Facebook. Ele não fala nada para agradar o povo, ou para parecer politicamente correto”, diz a autônoma Jéssica Melo da Silva, de 19 anos, moradora de Belém. “Ele fala o que pensa, e isso incomoda as pessoas”, diz Gabriel, que mora em Mesquita, na Baixada Fluminense.
Mas soltar o verbo também deixou o político conservador em apuros. Em outubro, ele foi condenado pela Justiça a pagar R$ 50 mil de indenização por um comentário considerado preconceituoso sobre uma comunidade quilombola. Ele também é chamado de homofóbico e de misógino, por ter feito declarações com críticas a gays e piadas sobre as mulheres.
Os eleitores relativizam manifestações polêmicas do deputado: dizem que elas foram tiradas de contexto e que há perseguição por parte de movimentos de esquerda e de grupos feministas e LGBT. “Sou negro e não votaria em alguém racista”, diz Gabriel.
Outro eleitor, o estudante de engenharia civil João Pedro Vital, de 18 anos, também discorda da imagem de racista do parlamentar: “Alguém que é casado com uma mulata e tem um sogro com o nome de Paulo Negrão não é racista”, diz, em referência à família de Bolsonaro.
Bolsonaro com um ‘outsider’
Segundo pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil, o político conservador se apresenta como um “outsider”, ou seja, diz que não faz parte da política tradicional, cuja imagem é de corrupção. Ele se mostra contra o chamado “establishment”, as mais poderosas instituições e organizações políticas, midiáticas e econômicas do país. Temas como descriminalização do aborto e casamento LGBT seriam do interesse desse “establishment”, na visão dos conservadores.
Para o universitário Vital, de Salvador, o deputado se destaca por não ter nenhum escândalo de corrupção no currículo. “Ele tem moral, é ético e não está metido em corrupção”, diz.
Bolsonaro começou a ganhar simpatizantes depois dos protestos de junho de 2013, quando milhões de jovens tomaram as ruas para, primeiro, protestar contra o aumento das tarifas de transporte e, depois, contra governos e políticos.
As manifestações surgiram com o Movimento Passe Livre (MPL), grupo de esquerda que, apesar de não gritar contra partidos, dizia-se apartidário. Em seguida, os protestos foram “cooptados” por manifestantes de direita, que chegaram a proibir bandeiras de partidos.
“Eram protestos essencialmente para mostrar um descontentamento com governos progressistas de esquerda, que não conseguiram implementar reformas estruturais e que acabaram se alinhando justamente ao sistema econômico que antes criticava”, explica Moysés.
Mauro Paulino, diretor do instituto Datafolha, concorda que o movimento “antipolítico” começou a mostrar as caras naquele ano. “Em 2013, as manifestações já tinham um caráter de negação de qualquer bandeira política”, diz.
Em um contexto de mais de uma década de governos federais petistas – que coincidiu com a infância e a adolescência de muitos dos que hoje se assumem eleitores de Bolsonaro -, a esquerda pode ter sido encarada pelos eleitores em formação como a força política a ser contestada.
“É uma característica do jovem ser do contra, buscar a mudança, as transformações sociais. Ele é mais receptivo aos discursos radicais, à esquerda e à direita”, diz o cientista político Hilton Cesario Fernandes, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).
Para Danilo Cersosimo, diretor do instituto de pesquisas Ipsos, o fenômeno de Bolsonaro como bandeira contestadora se expressa principalmente na juventude da classe média urbana. “É um movimento de um jovem escolarizado que não conseguiu ver as suas aspirações atendidas”, afirma o analista. “Ele pode estar desempregado, ou tem um emprego ruim, tem medo da violência e da crise econômica. Então ele culpa o governo por não conseguir cumprir suas ambições. E quem estava no governo? O PT e a chamada esquerda.”
Para o professor Moysés Pinto Neto, a esquerda não conseguiu se aproveitar do descontentamento mostrado nos protestos para engrossar suas fileiras. “O que aconteceu foi o inverso. A direita, que sempre foi o establishment, começou a se mostrar como crítica ao sistema, como se estivesse fora dele e fosse a solução para os problemas. Nos Estados Unidos, isso levou à eleição de Donald Trump”, explica Pinto Neto.
Paulino afirma ainda que há uma “crise de representação” da população brasileira em relação aos políticos. É o tipo de ambiente favorável ao surgimento de “salvadores da pátria”. “Esse vácuo permitiu que figuras como Bolsonaro surgissem. Quando a política não resolve, ideias simples para problemas complexos parecem a melhor solução, apesar de, na prática, elas nem sempre funcionarem”, diz.
A queda do PT
No meio acadêmico, uma das análises para a ascensão da direita é a de que, do outro lado do espectro político, a esquerda partidária não ofereceu nenhum novo nome com alcance parecido ao de Bolsonaro. O principal expoente ainda é Lula.
Com os escândalos de corrupção, o impeachment de Dilma Rousseff, a condenação do ex-presidente por corrupção passiva e o desgaste acumulado pelo PT, a maior parte dos militantes da esquerda se viu “órfã” de nomes promissores, segundo análise de cientistas sociais.
Nessa perspectiva, a esquerda sobrevive em grupos sociais que não têm relação direta com partidos, como o movimento negro, o feminismo, o LGBT e os secundaristas.
Paulino diz que jovens pobres, moradores de bairros de periferia, ainda preferem Lula por terem “medo de perder direitos”.
Gabriel se classifica como “classe baixa”, mas afirma não votar no petista “de jeito nenhum”. Bolsista do Prouni, programa de bolsas em universidades particulares criado por Lula, ele diz que não há contradição entre sua condição econômica e o apoio a um candidato da direita. “Pobre quer crescer economicamente, melhorar de vida. A direita prega o crescimento econômico e liberdades individuais, a esquerda quer controlar sua vida”, afirma.
Outro motivo que levou Gabriel a apoiar Jair Bolsonaro é a forma como o deputado encara a violência – ele propõe, por exemplo, extinguir o estatuto do desarmamento como maneira de a população se defender de bandidos.
“Precisa haver o armamento civil. O (estatuto do) desarmamento foi uma farsa, a violência só piorou, porque o cidadão de bem ficou indefeso. O bandido continua com as armas”, diz Gabriel.
Jéssica Melo, de 18 anos, cita o apoio de Bolsonaro ao regime militar que comandou o Brasil entre 1964 e 1985. “As pessoas dizem que era um tempo bom, que você podia ficar na frente de casa sem ser assaltado. As escolas eram tranquilas, hoje aluno bate em professor, as pessoas te roubam na sua casa”, diz.
Para Márcia Cavallari, do Ibope, jovens que não viveram o período da ditadura militar tendem a romantizá-lo. “O regime é uma coisa distante para elas, algo que não foi discutido a fundo. Com a corrupção e o medo da violência, os jovens procuram um discurso que promove a ordem, a lei e os bons costumes”, diz.
Já Paulino, do Datafolha, afirma que Bolsonaro se aproveita de um dos “maiores medos” da população, a violência, para alavancar seu apoio popular. “Principalmente entre a classe média, há um aumento do apoio à pena de morte e ao enfrentamento ao crime como forma de combater a violência. Essa é a principal bandeira dele”, explica.
Youtubers influentes
Além das páginas do próprio deputado, outros canais nas redes também ajudaram a direita a chegar a mais jovens. O Movimento Brasil Livre (MBL), por exemplo, é uma das páginas de maior influência no Facebook, com 2,5 milhões de seguidores. Apesar de não declararem oficialmente apoio a Bolsonaro, os militantes do MBL também costumam repassar as propostas do parlamentar, como maior rigidez no combate ao crime.
Outro “digital influencer” é o metaleiro e professor de guitarra Nando Moura, o mais popular youtuber da extrema-direita brasileira – ele tem 1,5 milhão de seguidores no site e 337 mil no Facebook. Há outros com perfil parecido, mas com alcance menor.
Nas produções de Moura, que chegam a ter um milhão de visualizações, ele comenta assuntos variados, como “ideologia de gênero”, desarmamento, arte moderna e história do Brasil e do Mundo – o viés é sempre de críticas à esquerda e apoio a Bolsonaro.
Para Moysés Pinto Neto, a direita foi “visionária” e “competente” ao usar o Facebook, YouTube e Twitter. “Há também uma estética do metaleiro youtuber, do gamer e do nerd de direita. Também usa-se a lógica do linchamento virtual, que a esquerda também já usou muito, para atacar a reputações dos seus inimigos públicos”, diz.
Em Belém, por exemplo, Jéssica Melo da Silva e outras 150 pessoas discutem diariamente propostas de Bolsonaro e ataques a adversários em um grupo de WhatsApp chamado “Direita Jovem Paraense”. Grupos parecidos são muito populares em outros Estados e tentam, cada vez mais, conseguir votos para o candidato.
‘Um candidato mais ao centro deve vencer’
Os diretores dos institutos Datafolha e Ipsos acreditam que, em 2018, Bolsonaro deve perder força porque, na campanha, ele terá menos tempo de propaganda na TV e no rádio do que seus adversários. “Apesar das redes sociais serem muito importantes, a televisão ainda tem um peso gigantesco. Bolsonaro está num partido pequeno, terá poucos segundos”, diz Paulino.
“A minha tese é de que provavelmente vá surgir um candidato mais ao centro, que consiga se equilibrar na polarização entre esquerda e direita”, concorda Cersosimo, do Ipsos.
Diretora do Ibope, Márcia Cavallari afirma que, apesar de ser difícil prever qual será o impacto da internet nas eleições – que tem sido difuso em eleições passadas – ele não será pequeno. “No Brasil, 102 milhões de pessoas têm acesso a esses canais. Em 2013, eram 78 milhões. As redes sociais vão ser muito mais importantes do que foram nas últimas eleições”, diz.
Pesquisa do Ibope deste ano apontou que 36% dos eleitores brasileiros acreditam que a internet terá “muita importância” na hora de decidir o voto. Para 35%, a TV e o rádio também terão influência.
Já o cientista político Hilton Cesario Fernandes, da Fespsp, argumenta que o apoio da juventude não será suficiente para a vitória da extrema-direita. “O discurso radical pega uma parcela da população específica, mas dificilmente convence a maior parte da população numa disputa majoritária, diz.
Por outro lado, Bolsonaro vem crescendo em levantamentos do Datafolha desde dezembro de 2015, quando tinha 5% das intenções de voto. No último, em outubro deste ano, estava com 16%.
Se depender de Jéssica Melo da Silva, 19, seu candidato conservador vai crescer ainda mais. “Faço campanha de graça para Bolsonaro”, diz ela, que gosta de andar com a camiseta do ídolo pelas ruas de Belém e compartilhar material sobre ele em suas páginas nas redes sociais.
Fonte: R7
Créditos: R7