EDITORIAL
A peregrinação dos deputados
Em 15 dias, Michel Temer recebeu 120 parlamentares no Planalto. O contexto, claro, é a votação de quarta-feira. O que os deputados estarão pedido – ou exigindo?
O presidente Michel Temer não poupa esforços para escapar da segunda denúncia oferecida contra ele pela Procuradoria-Geral da República (PGR) – o plenário da Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta-feira o relatório aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da casa e que recomenda o arquivamento.
Segundo tabulação feita pela Gazeta do Povo com base na agenda oficial do presidente, Temer recebeu 120 deputados em 15 dias – alguns deles estiveram mais de uma vez no Palácio do Planalto, aumentando o número total de audiências. Em um único dia, 18 de outubro, foram 33 parlamentares recebidos por Temer.
O que quase um quarto da Câmara dos Deputados quer com o presidente da República (e vice-versa) em um momento desses? Dos 120 parlamentares, apenas quatro votaram contra Temer em agosto, quando a primeira denúncia da PGR foi arquivada. O presidente quer manter esses votos e conquistar novos, mas a que preço?
O partido que teve o maior número de deputados na romaria ao Planalto foi o PMDB, legenda do próprio Temer e que, por isso, é apoio praticamente garantido – em agosto, 52 dos 62 peemedebistas na Câmara votaram a favor do presidente. Na outra ponta, a relação de visitas conta com apenas seis tucanos neste intervalo de 15 dias, por mais que Temer precise do PSDB, atualmente rachado. A presença forte na lista de visitantes é mesmo a do “centrão” fisiológico: 78 integrantes desse bloco, incluindo 19 do PP, 12 do PR e 11 do PSD, foram levar seus pedidos – ou seria exigências? – a Michel Temer.
O deputado Carlos Marun defendeu a peregrinação como um sinal da “abertura ao diálogo” por parte de Temer. “Isso é um sinal de que o presidente, como todo mundo sabe, é um homem do diálogo e de fácil acesso. Ao contrário da ex-presidente que tínhamos aí”, disse à Gazeta do Povo. A comparação, no entanto, ignora dois aspectos. Sim, Dilma Rousseff era conhecida por seu temperamento irascível que corroeu seu relacionamento com o Congresso, mas, no caso do impeachment, a missão foi terceirizada, com o ex-presidente Lula montando um bunker em um hotel de Brasília, onde recebeu dezenas de deputados para convencê-los a votar contra o afastamento de Dilma.
E a “abertura ao diálogo” de Temer, louvada por Marun, não impediu que, durante a votação em plenário da primeira denúncia da PGR contra o presidente, cargos de segundo e terceiro escalão fossem negociados ali mesmo, na Câmara, para conseguir votos de última hora a favor de Temer. Esses mesmos cargos, além da liberação de emendas, são as moedas correntes do momento.
É muito difícil que Temer já não tenha garantidos pelo menos 172 votos, o mínimo necessário para que a denúncia seja arquivada – as dúvidas giram em torno do placar, que mostrará o tamanho do apoio ao presidente. E é no imediato pós-votação, com as devidas canetadas que premiarão a fidelidade e punirão a rebeldia ou as promessas não cumpridas, que o país terá a ideia exata do que foi acertado nessas reuniões.
E esse preço tem seu impacto no horizonte – ele dirá se Temer tem ou não a capacidade de levar adiante a pauta reformista. As mudanças na Previdência são urgentes (por mais que o surreal relatório da CPI do Senado sobre o tema diga o contrário), mas são impopulares e, por exigirem emenda constitucional, precisam de pelo menos 308 deputados que as apoiem, muito mais que o quórum necessário para livrar Temer da denúncia da PGR. O resultado desta quarta-feira dirá se o país pode ter mais ou menos esperança em ver prosperarem as reformas.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/