Tolerância zero com predadores sexuais. Essa é a esperança que une profissionais de Hollywood em reação ao pior escândalo de abusos da história da indústria do cinema – um terremoto que eclodiu depois que o produtor Harvey Weinstein, de 55 anos, foi acusado de assédio ou estupros envolvendo mais de 40 atrizes. Entre as que declararam ter sofrido investidas forçadas por parte do executivo estão as estrelas Angelina Jolie, Gweneth Paltrow, Ashley Judd e Mira Sorvino. Fundador da distribuidora Miramax e da produtora The Weinstein Company, o executivo está por trás de mais de 300 filmes, entre os quais os vencedores do Oscar “Shakespeare Apaixonado”, “O Discurso do Rei” e “O Artista”. Apelidado nos bastidores de The Punisher (que tanto pode ser traduzido como justiceiro quanto como tirano), Harvey foi banido da empresa que comandava ao lado do irmão Bob, expulso da Academia do Oscar e agora responde na Justiça pelas denúncias que vieram à tona nas últimas semanas.
“A forma como me comportei com colegas no passado causou muita dor, e sinceramente peço desculpas”, afirmou, em nota ao jornal “The New York Times”, o mesmo que deu início às acusações. Weinstein nega os estupros alegando “sexo consentido”. Mas pelo menos oito acordos já foram firmados com vítimas para que encerrem os processos judiciais. O escândalo estimulou outras atrizes que sofreram assédio de outros executivos a quebrar o silêncio. Jennifer Lawrence e Reese Whiterspoon comentaram casos de que foram vítimas no início de suas carreiras (leia depoimentos em destaque à esquerda).
Ao romper o silêncio sobre como foram tratadas nos bastidores, as estrelas criam um ponto de inflexão na indústria do cinema nos Estados Unidos. “Se todas as mulheres que já sofreram abuso ou violência sexual escreverem ‘eu também’ nas suas redes, nós talvez possamos dar uma ideia da magnitude desse problema”, afirmou a atriz e produtora Alyssa Milano (das séries “Who’s the Boss?” e “Charmed”) ao postar no twitter a campanha #metoo. Na terça-feira 17, a startup Legalist anunciou uma recompensa de US$ 100 mil a quem tiver qualquer reivindicação válida de assédio contra Weinstein — um “abusador sexual em série”, segundo declaração da atriz Lauren Sivan, uma das dezenas que se apresentaram nos últimos dias. “Eu sei que ele acreditou por anos que era intocável, e muitas pessoas o ajudaram”, afirmou a atriz à revista “Variety”.
Corrobora com a tese de “abusador em série” uma cláusula do contrato do produtor com sua empresa, a Weinstein Company. Segundo o site TMZ, o documento garante que ele não poderia ser demitido caso fosse processado por assédio – bastaria arcar com os custos e reembolsar a companhia, pagando multas entre US$ 250 mil e US$ 1 milhão. Diante das denúncias recentes, a cláusula foi ignorada e Harvey deixou a Weinstein Company — cujo futuro permanece incerto. Bob Weinstein, irmão e sócio de Harvey, afirma ter o apoio de bancos, parceiros e acionistas. Segundo ele, “não é verdade que a companhia e seu conselho cogitem a venda ou fechamento”.
Quem acompanha os bastidores de Hollywood sabe que assédio e estupro são recorrentes, embora quase sempre acobertados. Em 1977, o diretor Roman Polanski foi preso pelo abuso sexual de Samantha Geimer, de 13 anos. Ele ficou preso por 47 dias, pagou fiança e fugiu para a Europa. Em 2009, voltou a ser detido na Suíça, mas foi não extraditado. Até hoje não pode entrar nos Estados Unidos. Ainda assim, recebeu o Oscar de melhor diretor por “O Pianista” (2013). Em 1992, então casado com a atriz Mia Farrow, Woody Allen iniciou um romance com Soon Yi, filha adotiva de Mia com Andre Previn. Os dois acabariam se casando em 1997. Na época, Mia afirmou que o diretor havia molestado a outra filha adotiva do casal, Dylan Farrow, então com 7 anos. Allen sempre negou o abuso, que voltou ao noticiário em 2014, quando Dylan publicou uma carta aberta em um blog reafirmando a história. Ela ainda culpou Hollywood por “fechar os olhos” — o que teria agravado seu tormento. Na semana passada, Woody Allen se manifestou em relação ao caso Weinstein: dizendo-se triste por Harvey, ele condenou uma eventual “caça às bruxas” em Hollywood. Curiosamente, um dos jornalistas que publicou as denúncias contra Weinstein é Ronan Farrow, filho de Mia com Woody Allen. Em uma matéria para a revista “New Yorker”, Ronan ouviu 13 mulheres assediadas pelo produtor — e três delas afirmam que houve estupro.
A atual devassa sexual em Hollywood enseja uma discussão profunda sobre como acabar com a cultura de assédio nos estúdios. “As comportas se abriram”, diz Gretchen Carlson, ex-apresentadora de TV que ano passado moveu um processo por assédio contra o então CEO da Fox News, Roger Ailes. “As mulheres não tinham coragem de denunciar porque nada de bom vem disso — exceto agora”, diz Carlson. Chegou a hora de mudar essa história de uma vez.
Fonte: Isto É