Principal fonte de receita do esporte olímpico brasileiro, os recursos garantidos pela Lei Piva ao Comitê Olímpico do Brasil deixaram de ter relatórios de prestação de contas divulgados pelo Ministério do Esporte desde 2011. A falta de transparência e de fiscalização descumprem o que está previsto na legislação.
Os recursos das loterias, garantidos pela Lei Piva, são o que sustentam o esporte olímpico brasileiro desde 2001, já sob a gestão no COB de Carlos Arthur Nuzman, preso desde o dia 5 de outubro.
De acordo com o parágrafo sétimo do artigo 56 da Lei 9.615/98 (a Lei Pelé), o Ministério do Esporte tem por obrigação angariar informações providas pelo COB e pelo Comitê Paralímpico Brasileiro e publicar anualmente em seu site relatório detalhado de como as milionárias verbas têm sido aplicadas pelas duas entidades esportivas.
Tais determinações previstas em lei nunca foram cumpridas. Em seis anos, após três ministros e os Jogos Olímpicos do Rio, o Ministério do Esporte jamais tornou público qualquer relatório que informasse o destino das verbas.
Tal norma foi incluída por meio de uma outra lei (12.395), sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, em março de 2011, e é clara na consequência do que a não realização da divulgação pode acarretar. “Sob pena de a entidade beneficiada não receber os recursos no ano subsequente”, diz a lei.
Antes de ser publicado, o conteúdo tem de passar pelo crivo do Conselho Nacional do Esporte, órgão que conta com políticos, atletas, ex-atletas e outras figuras vinculadas com o esporte nacional.
Apesar do descumprimento, o dinheiro público garantido pela Lei Piva não deixou de pingar nas contas das entidades sem a contrapartida de transparência.
Aprovada em 2001, a lei garante a destinação às entidades desportivas de 2,7% da arrecadação bruta das loterias federais. Os percentuais são divididos entre os dois comitês e o Comitê Brasileiro de Clubes.
Já foram investidos mais de R$ 2 bilhões apenas no COB e suas confederações esportivas filiadas nos últimos 15 anos. A verba é repassada aos comitês pela Caixa Econômica Federal e sua fiscalização é responsabilidade do Tribunal de Contas da União. Cabe ao ministério e às entidades esportivas explicitarem a aplicação dos recursos que obtêm.
A administração de Leonardo Picciani (PMDB-RJ), iniciada em maio de 2016, afirmou que “a apresentação anual dos relatórios da aplicação dos recursos da Lei Piva passou a ser exigida na atual gestão”. E que enviou ofícios ao COB e ao CPB nos quais solicitou o encaminhamento de documentos. A pasta ainda diz que cobrou formalmente documentos do CBC, que também recebe percentual da Lei Piva.
Tanto o CPB quanto o CBC disseram que apresentam trimestralmente como aplicam as verbas ao Ministério do Esporte e até a outros órgãos como o Ministério da Educação e o TCU.
Além disso, ambas entregaram os documentos solicitados pela pasta. O comitê de clubes teve o relatório de atividades de 2016 aprovado no último dia 11 de agosto, pelo Conselho Nacional do Esporte. Mais de dois meses depois, o conteúdo não foi publicado no site do ministério.
A equipe do Ministério do Esporte também argumenta que já finalizou a análise técnica do relatório enviado pelo comitê paralímpico e que sua apreciação ocorrerá no próximo mês.
O COB, que detém a maior parte da fatia da Lei Piva, porém ainda não repassou a documentação que lhe cabe neste ano. O ministério disse que fez “reuniões técnicas” com o comitê olímpico para “sanar dúvidas relacionadas ao relatório dessa entidade”.
Tramitam no Congresso Nacional algumas propostas que visam a tirar o COB, o CPB e o CBC como intermediários no processo de disseminação do dinheiro da Lei Piva.
Se a alteração for aprovada pelos parlamentares, representará um duro golpe sobretudo para o COB, que retém uma parcela significativa do montante para manutenção de seu quadro de funcionários e outros empenhos administrativos.
Levantamento feito pela Folha indica que 10 das 30 confederações esportivas olímpicas nacionais tiveram o exercício de 2017 totalmente custeado com verba da lei. Para 2017, por exemplo, o COB trabalha com estimativa de R$ 210 milhões, dos quais R$ 85 milhões seriam dirigidos às confederações. A gestão do repasse desse dinheiro é do comitê.
A atual gestão do Ministério do Esporte afirmou que vai publicar uma portaria nas próximas semanas para “disciplinar todo o processo” de divulgação dos relatórios de prestação de contas da verba da Lei Piva.
A pasta acrescentou que havia uma falha burocrática que não determinava quando cada ente beneficiário dos recursos das loterias federais deveria submeter seu relatório de aplicações das verbas de cada exercício.
“Não havia prazos estabelecidos, porque a lei não estipulava isso”, afirmou o ministério por meio de sua assessoria de imprensa.
A reportagem também indagou ministros do Esporte que passaram pela pasta desde 2011, quando a norma de publicidade dos relatórios foi aprovada. Desde então, a regra deixou de ser cumprida pela pasta.
Orlando Silva (2006 a 2011) e George Hilton (2015 a 2016) não responderam aos questionamentos.
Aldo Rebelo (2011 a 2014) argumentou que tal lei só terminou de ser regulamentada no final de 2014 e que o TCU “já faz, ordinariamente, a fiscalização desse recurso”. Ainda assim, ele não explicou por que a pasta não publicava os relatórios em seu portal durante sua gestão.
Em seus parágrafos sétimo e oitavo do artigo 56, a Lei Pelé determina que “o Ministério do Esporte deverá acompanhar os programas e projetos referidos (…) e apresentar anualmente relatório da aplicação dos recursos, que deverá ser aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte, sob pena de a entidade beneficiada não receber os recursos no ano subsequente”. “O relatório a que se refere o § 7º deste artigo será publicado no site do Ministério do Esporte na internet”, completa o texto da lei.
O Comitê Paralímpico Brasileiro reiterou que envia trimestralmente ao Ministério do Esporte relatórios com quadro de receitas e aplicação dos recursos recebidos do repasse das loterias.
“O Comitê Paralímpico Brasileiro não teme um corte no repasse da Lei Piva, uma vez que repassou todas as informações solicitadas”, disse a entidade em nota.
O Comitê Brasileiro de Clubes afirma que as informações concernentes “são prestadas às instituições de forma contínua e completa”.
Já o Comitê Olímpico do Brasil não respondeu aos questionamentos feitos pela Folha até a conclusão desta reportagem.
Fonte: Valor Econômico