Por que pessoas livres se submetem?

Gilvan Freire

Governos e governantes já agacharam muita gente na Paraíba e no mundo. Quanto menor for o índice cultural do povo e quanto mais sua historia esteja permeada do componente escravista, mais se aceitará a escravidão como caldo de cultura. É o complexo de submissão – que atinge certas coletividades à medida que estejam próximas ou distantes do mundo civilizado. Quem não se apega a liberdade como um bem da vida, pode até viver sem ela, ou pode aceitá-la como concessão ou esmola dos homens. Há pessoas que querem ser oprimidas. Precisam ser possuídas como escravos. É uma herança do DNA social primitivo.

Gilberto Freyre não explicou tudo em ‘Casa Grande & Senzala’, mas compreendeu bem os traços culturais de um povo recém saído da Abolição. Faz pouco tempo histórico. Zé Américo, brasileiro ilustre que nasceu na Paraíba que governou, veio ao mundo em 1887, um ano apenas antes de ser proclamado o fim da escravidão(1888). O fato é tão recente que Lourdinha Luna, a secretária do ministro José Américo, ainda está viva e saltitante como ativista cultural.

No vil, perverso e degradante regime escravocrata, homens eram acorrentados e trocados por dinheiro ou animais, do mesmo jeito que são trocados hoje bodes, porcos e bois. Agora a troca de homens é por dinheiro e favores pessoais. O que varia é o tempo e o tipo de homem. Antes eram os negros e pobres. Hoje, são os ‘pobres políticos’, uma raça que vende a sua liberdade e entrega ao patrão a dos eleitores também.

Trabalhadores rurais brasileiros, nesses últimos anos, ocuparam usinas, subdividiram latifúndios, invadiram casas grandes e fecharam as senzalas do escravismo persistente no campo. Mas os políticos – quase todos – continuam prisioneiros das argolas. É dinheiro público que os escraviza. E tudo por conta da memória instintiva e do complexo de inferioridade.

QUANTO VALEM OS QUE SE VENDEM? NADA.

Wellington farias, jornalista libertário e insubornável, que saiu de Serraria para assistir Dom José Maria Pires derrubar as últimas cercas de Alagamar e tanger com uma varinha apenas o gado dos poderosos, olhado a curta distância por jagunços fortemente armados, registrou em sua coluna no Correio desse domingo uma pérola. Ele, como Dom José, sabe que o que move os homens não é a coragem física, são a coragem moral e a consciência da liberdade, virtudes que levaram Dom Pelé aos campos sem medo de morrer feliz. Por isso, ele sobreviveu.

Wellington escreveu o tema central dos grandes conflitos que aterrorizam a Paraíba de hoje: “o povo não entende o que o governador Ricardo quis dizer quando disse: ‘um projeto não é uma pessoa, são idéias e práticas’. Explico: um projeto não é uma pessoa, mas é uma única pessoa que pensa, executa e manda no projeto. Tá claro, agora?!!” Recortem a matéria e guardem.

O recente episódio da humilhação imposta a Luciano Agra, que queria saber do ‘oráculo’(1) se podia ter pelo menos a liberdade de pensar , já que para agir sempre precisou de ordens, é emblemático. Luciano doeu-se, indignou-se, recebeu solidariedade, estrebuchou, redimiu-se de culpa, mas resignou-se. Afinal, ele sabe que o ‘oráculo’ não se move pela amizade ou pela compaixão, sentimentos dos deuses divinos, e não dos deuses pagãs.

Ocorreu de, por conta da rasteira primitiva sofrida por Luciano, criar-se uma rede de solidariedade a ele, formada basicamente por vereadores e lideres partidários, parecendo ser também um movimento de censura às desatenções e insensibilidades do ‘oráculo’. Foi ai que Agra entregou-se ao destino escravagista e curvou-se diante do altar. Nada mais há a fazer, a não ser dobrar os joelhos em cima de caroços de milho para pagar outras penitências.

Mas os amigos de Luciano, revoltados como ele devia estar, resistiram bravamente e assumiram um motim com ares de rebelião de escoteiros. Mas é tudo uma brincadeira de acampamento e de adolescentes. Todos se enquadrarão quando o clarim tocar virado para eles. E ninguém vai dar um pio. Será uma desmoralização anunciada. Luciano já deve está dizendo a todos, com a experiência que tem, e agora ampliada, que os deuses da feitiçaria exigem sacrifícios, por que são escravizantes. E que é melhor perder a liberdade e a honra do que irritar ou ofender uma divindade. Ela pensa, executa e manda. Sozinha. É crença. Mas não é a mesma coisa que ‘crendice popular’.

1) Oráculo quer dizer: 1. Divindade que responde a consulta feita pelo crente. 2. Individuo cuja opinião tem grande autoridade (Sérgio Ximenes. Minidicionário).