Era 6 dezembro de 2006 e o plenário da Câmara analisava o processo de cassação do então deputado José Janene (PP-PR), um dos envolvidos no escândalo do mensalão. Para escapar de punição, o parlamentar costurou um acordo que tinha como contrapartida a nomeação do também deputado Aroldo Cedraz (PFL-BA) para uma vaga de ministro no Tribunal de Contas da União (TCU).
Os aliados de um se comprometiam a apoiar o outro. Deu certo. Por maioria simples, Cedraz foi o escolhido pelo plenário da Câmara para integrar o TCU no mesmo dia em que Janene escapou da lâmina. Essa versão da história aparece na delação premiada do ex-deputado Pedro Corrêa, homologada pelo ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo Corrêa, também envolvido no escândalo do mensalão, as lideranças partidárias acertaram que seriam cassados apenas os ex-deputados Roberto Jefferson (PTB-RJ) e José Dirceu (PT-SP). Mas nem tudo saiu como combinado, especialmente para Corrêa, que perdeu seu mandato na votação do plenário.
Em depoimento prestado em 26 de abril de 2016, ele contou que, por causa disso, Janene colocou as “barbas de molho” e adiou o processo de cassação apresentando atestados médicos da doença cardíaca que o levaria à morte em 2010.
Com a vaga aberta no TCU, contudo, Janene viu uma oportunidade. “Foi feito um acordo entre as lideranças dos partidos da base aliada para aprovar o nome de Aroldo Cedraz em troca da não cassação do deputado José Janene”, diz trecho do termo de depoimento, concluindo: “No caso, o PFL votaria a favor de Janene e os partidos PP, PTB, PL (além de outras siglas menores) votariam pela nomeação de Cedraz”. O PFL, atual DEM, não fazia parte da base aliada do governo do ex-presidente Lula, mas os outros partidos, sim.
Em 6 de dezembro de 2006, o acordo foi cumprido. No mesmo dia, houve duas votações. Em uma, Cedraz obteve 172 votos no plenário, mais do que qualquer um dos outros três postulantes à vaga de ministro do TCU. Na outra, apenas 210 deputados, menos que os 257 necessários, votaram pela perda de mandato de Janene. Na época, as cassações ainda eram pelo voto secreto.
Corrêa também citou irregularidades envolvendo Tiago Cedraz, filho de Aroldo. Ele seria um dos operadores do ex-ministro das Cidades Mário Negromonte, do PP, no recolhimento de propina na pasta. Afirmou ainda que Tiago se aproveitou do cargo do pai no TCU. Segundo Corrêa, Aroldo tinha postos de gasolina no Ceará e Bahia, “provavelmente em nome de seu filho”, com débitos com a BR Distribuidora, empresa subsidiária da Petrobras.
A estatal, por sua vez, tinha um processo de seu interesse no TCU. Assim, disse Corrêa, Aroldo “pediu vista do processo e segurou indefinidamente, a fim de que a BR Distribuidora não executasse os postos de gasolina”. Segundo o delator, quem lhe disse isso foi o ex-diretor internacional da Petrobras Nestor Cerveró quando os dois ficaram presos.
Os depoimentos de Pedro Corrêa foram tomados em 2016, mas o ministro Teori Zavascki, que era relator da Lava-Jato no STF, devolveu o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR) alegando falta de provas. Teori morreu em janeiro e foi substituído por Fachin. Em agosto, o novo relator homologou o acordo. Em 2012, Corrêa foi condenado no mensalão e depois preso. Na Lava-Jato, já foi condenado a mais de 29 anos de prisão. Hoje, está em prisão domiciliar.
A assessoria do TCU não obteve manifestação de Aroldo Cedraz antes do fechamento da edição. Tiago Cedraz disse que o depoimento de Corrêa é “uma história fantasiosa e risível” e “uma absoluta loucura”. Afirmou também que nunca se reuniu com ele nem teve posto de gasolina.
O advogado Carlos Humberto Fauaze Filho, que defende Negromonte, ainda não teve acesso ao depoimento, mas disse não acreditar nas acusações. Segundo ele, “não tem pé nem cabeça” a tentativa de criar uma ligação entre seu cliente e Cedraz.
Fonte: O Globo