Só uma mulher escapou do holocausto

Gilvan Freire

Entre os povos antigos, os hebreus cultivavam o hábito de queimar inteiramente pessoas vivas em sacrifícios às suas crenças. Chama-se a isso expiação, imolação. Holocausto.

Com propósitos diferentes, a Inquisição da Igreja Católica imolou milhares de seres humanos ao longo de alguns séculos, por motivos de crença em Cristo. E transformou corpos se mexendo em tições incandescentes. Já naqueles tempos pessoas teriam de ser sacrificadas para que os poderosos não fossem contestados em suas opiniões tirânicas.

Na era de Hitler, milhões de judeus submeteram-se à expiação nos campos de concentração e nos fornos crematórios. E só bastava que estivessem vivos enquanto um psicopata serial killer tivesse passando ligeiramente pelo mundo e pela história, deixando, como um Tsunami, um rastro de atrocidades, destruição e medo.

Tudo isso serve para se compreender do quanto os homens são capazes, de forma extrema, quando precisam impor suas idéias, crenças e vontades. E serve também para se analisar os graus menores de sociopatias entre os que estão em torno de nós e revelam predisposição para sacrificar os outros em proveito de seus projetos ou ambições pessoais.

Em política e nas ‘artes do poder’ mais comuns, o holocausto não é praticado por cremação em forno ou na fogueira de lenha. Pelo menos quando o carrasco não tem o grau de anormalidade de Hitler e outros tiranos assassinos e animalescos que dizimaram parte do rebanho de Deus na terra. No nível mais baixo de ferocidade dos pequenos títeres, eles matam os outros sem tirar-lhes as vidas, mas apenas destruindo-lhes os sonhos e o gosto de viver.

Em alguns casos freqüentes, usa-se o vocábulo ‘fritura’ para denominar o processo de crema dos infortunados ou ainda as expressões típicas dos costumes bárbaros: ‘botar na geladeira’, ‘baixar a guilhotina’, ‘tratorar’, ‘passar a navalha’, ‘fritar em fogo brando’, entre outros.

Não dá para contar quantas vitimas desses ritos perversos purgam sofrimento hoje na Paraíba sob as determinações do insensível e já previsível Ricardo Coração de Leão. Mas agora se sabe o nome de quem sobreviveu ao holocausto de grau não macabro desses últimos dias: Estelizabel Bezerra, a dama de ferro que substitui Luciano Agra, o mito de barro desmanchado em poeira.

RICARDO AJOELHA VELHOS DEVOTOS E OS NOVOS FIÉIS

Quando Luciano Agra renunciou à candidatura, já se sabia a dezena de motivos que afetavam suas instabilidades emocionais, AGRAvadas pela depressão de não contar com a solidariedade explicita de seu mentor político e chefe – o prefeito de fato. Agra até já estava crescido eleitoralmente, o que representava um dos principais problemas: o da possibilidade de realizar vôo próprio, fora das asas do patrão. Sim, esse é um dos maiores motivos também de sua morte.

Nesse sentido, Agra renunciou para fazer falta e criar problemas, algo como mostrar a RC que têm aliados e seguidores. E mostrou. Foi pior.

Diante da carta de Luciano, carpideiros e carpideiras começaram a chorar, não por ele, mas pelo poder que ele tem e agora corre para outra direção. Políticos, partidos e cabos eleitorais se deram conta de que sem a candidatura do prefeito a prefeitura não subirá nos palanques e nem distribuirá bônus entre os que precisam de óbolos. Jornalistas e marqueteiros engajados choraram mais que os carpideiros. E inconsolados.

Mas o interessante da renuncia e do movimento do ‘fica’ foi o fato de que ninguém na multidão dos Lucianistas (ou prefeituristas) lembrou o nome de RC, como se as manifestações fossem em apoio a um escravo político alforriado de um líder tribal. Isso foi pior ainda.

Agra comoveu-se com a manifestação ruidosa dos que recebem salários e favores da administração e dos que precisam de uma prefeitura para financiar campanhas, e se preparou para renunciar à renúncia. Estava se achando um semideus diante do deus do Olimpo, sem perceber que o andor estava sendo derrubado em minutos, e que de santo de barro virara pó. Foram assim os momentos finais das idas e vindas de Luciano, um adepto incondicional do misticismo que prega a adoração aos homens e a eles se oferece vivo em sacrifício de morte.

RC sempre contou com a insegurança de Agra quando era para fazer alguma coisa além de projetos arquitetônicos. Por isso o escolheu vice, a fim de continuar mandando nele de fora. E ainda vai continuar mandando, submetendo-o aos sacrifícios da expiação em nome de seus credos.

Ultimamente, RC teve três preocupações perturbadoras: o renuncismo de Agra, o medo de ele não sustentar os pepinos e sua vontade de ser líder. Foi ai que Ricardo optou por Estelizabel, porque ela é um Luciano Agra de saias que ainda vai demorar a querer ser líder independente nas barbas do maioral.

E quando ela se meter a besta, a sorte será a mesma. Ou seja, vira Agra. E morre também.