Atualmente, 14 jogadores de futebol pegos no antidoping aguardam por julgamento no Brasil, sendo que oito deles foram suspensos preventivamente. Só que talvez nem eles saibam disso. A atuação da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), somada a uma livre interpretação das leis que regem o assunto no país, fazem do combate às substâncias proibidas uma caixa preta no esporte nacional.
A confusão passa pelo TJDAD (Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem), que recebe os resultados analíticos adversos e encaminha suas decisões à ABCD. O órgão ligado ao Ministério do Esporte, por sua vez, teria de repassar as decisões à CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que avisaria as federações estaduais e, por último, os clubes, que aí tirariam os jogadores suspensos de atividade. Dos 14 casos, dez já foram avaliados pelo TJDAD e oito receberam suspensão provisória. A lista de nomes, porém, não é revelada publicamente.
O blog Olhar Olímpico apurou que Carlos Alberto, volante que passou por Corinthians e Figueirense e ganhou notoriedade por um caso de adulteração de documentos em 2006, é um destes. Em 1º de março deste ano, o “ex-gato” errou a última cobrança do Brusque, equipe que defendia, em uma disputa de pênaltis contra o Corinthians, em duelo válido pela Copa do Brasil. Naquele dia, ele testou positivo para corticoide.
Isso foi há mais de seis meses e, até agora, Carlos Alberto não foi suspenso. Ou, se foi, não está sabendo. O meia tanto pode estar no grupo de oito jogadores suspensos provisoriamente quanto pode ser um dos quatro na lista para terem seus casos analisados pelo TJDAD. Talvez tenha sido um dos dois mandado direto para julgamento, sem suspensão permanente. Quem está em qual situação é um segredo escondido até da CBF, que só sabe o número bruto: 14 jogadores tiveram resultado analítico adverso.
Por que a divulgação dos nomes virou um tabu?
Presidente do TJDAD, ligado ao Ministério do Esporte, Luciano Hostins assinou em 16 de agosto a suspensão de dois atletas. Ele mesmo admite que, pelo menos até sexta-feira a tarde, quando atendeu o Olhar Olimpíco por telefone, esses dois jogadores não haviam sido informados da suspensão.
Aliás, não só esses dois. A CBF diz não ter sido oficialmente notificada sobre nenhuma das oito suspensões já impostas, contrariando a informação passada por Hostins e pela assessoria do Ministério do Esporte. Sem a CBF, a federação ou os clubes serem informados, esses jogadores podem entrar em campo na rodada do fim de semana sem saber que estão suspensos.
“Está errado esse procedimento”. Quem diz isso é o próprio presidente do TJDAD. Advogado especialista em direito esportivo e procurador do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), Hostins é mais um dos tantos incomodados com o sigilo imposto a partir de livre interpretação do artigo 31 da Lei 12.527 e do artigo 14 do Código da Wada.
Oficialmente criado em dezembro do ano passado e responsável pelo julgamento de todos os casos de doping do esporte brasileiro desde o último dia 9 de maio, o TJDAD é ligado à ABCD e, consequentemente, ao Ministério do Esporte. Por ser um órgão público, em teoria, não pode expor investigados. Uma interpretação da qual discordam, por exemplo, os antigos gestores da ABCD, Marco Aurélio Klein e Luis Horta, e a autoridade máxima de antidoping no futebol brasileiro, o médico Fernando Solera.
Nem a ABCD, entidade que cuida do doping no Brasil, sabe quem está suspenso ou não. Questionada pelo Olhar Olímpico se “algum dos 14 jogadores que tiveram resultado analítico adverso em 2017 está suspenso”, a assessoria de imprensa da pasta disse: “os jogadores estão suspensos e os nomes foram repassados à CBF”, informação negada por Hostins, que é a única pessoa apta, no Brasil, a suspender esportistas por casos de doping. Perguntada sobre os nomes dos atletas e se eles são da Série A do Brasileirão, a ABCD disse que não poderia informar.
Em 2016, Alecsandro foi punido em 2 meses
O sigilo acaba servindo de muleta para o órgão. Fernando Junior Pereira da Silva, goleiro do Passo Fundo, por exemplo, foi pego no doping em exame realizado em 12 de fevereiro, após derrota por 1 a 0 para o Grêmio. O caso chegou às mãos do presidente do TJD da Federação Gaúcha, Carlos Schneider, que o remeteu diretamente à ABCD, que deveria encaminhá-lo para a avaliação de Hostins. Fernando foi suspenso? Não sabemos. Aliás, nem Schneider sabe.
É que a o TJDAD não informa suspensões provisórias e, mesmo após o julgamento em primeira instância, informa a pena, mas não qual o atleta suspenso. Já foi assim com um judoca e três canoístas. Informações completas, só depois do julgamento de segunda instância, caso o atleta apele. Assim, os 13 jogadores de futebol flagrados entre janeiro e abril de 2017 só serão julgados e terão seus nomes divulgados no começo do ano que vem. E olhe lá.
“Já encaminhei para a Wada (Agência Mundial Antidoping) e para a consultoria jurídica do ministério do Esporte um pedido para ampliar o leque de informações que a gente pode tornar pública. Eu acho que a gente tem de dizer, tem de tornar pública. Assim não tem como fiscalizar se o atleta está cumprindo a suspensão ou não”, admite Hostins.
Os dois atletas suspensos provisoriamente em 16 de agosto ainda não foram notificados. “Eu efetuei a suspensão e agora a secretaria vai intimá-los. A princípio, se não têm ciência, podem continuar a entrar em campo”, diz o presidente do tribunal. Até agora, de 10 casos que chegaram às mãos de Hostins, oito atletas foram suspensos provisoriamente (incluindo aqueles dois que não foram comunicados) e dois não. Todos serão julgados, mas sabe-se lá quando. A previsão é que o primeiro caso entre em pauta no fim de setembro ou começo de outubro.
A morosidade contrasta com a agilidade que o futebol brasileiro vinha demonstrado nos últimos anos. Vide o caso Alecsandro. O atacante, que defendia o Palmeiras, foi flagrado em 3 de abril de 2016 e comunicado dia 7 de junho. A contraprova foi aberta em 15 de junho, quando ele foi suspenso provisoriamente até ser julgado em 1º de agosto. Punido inicialmente por dois anos de suspensão pelo tribunal da Federação Paulista, ele foi liberado em setembro pela Agência Mundial Antidoping (a substância proibida encontrada no seu organismo era originária de um creme para calvice).
Voltemos a Carlos Alberto. Flagrado em 1º de março, ele só foi ser citado em 27 de junho. De acordo com Luis Fernando Pamplona Novaes, advogado do Brusque, a citação foi depois anulada por ter sido redigida com base “no artigo errado”. Até agora, não chegou nova notificação. O volante, que não quis se manifestar a respeito do caso e abriu mão da realização da contraprova, entrou em suspensão espontânea, mas até agora não foi notificado sobre qualquer decisão vinda de Brasília a seu respeito.
“As rotinas que eram aplicadas pela comissão de doping da CBF eram super elogiadas e hoje estamos realmente tendo problemas por causa dessa historia de competência de gestão”, critica o o médico Jorge Pagura, responsável por toda a área médica da CBF.
Fonte: UOL