Por Guilheme Perez Cabral
Torne-se um professor e aumente sua renda! São dez cursos de licenciatura 100% online. Realize sua segunda graduação e se torne um professor! É a propaganda de grupo empresarial líder do mercado da educação superior no Brasil. O garoto-propaganda é o apresentador de televisão que, agora, flerta com a política. Não é piada de mau gosto.
Nesse estrume eu não pisei. Nem li em placa na rua. Não estava num lugar público quando vi. Ainda bem, ando enjoado demais, grávido de maus pensamentos. Certamente, vomitaria em transeunte sem nada a ver com meu embrulho.
Recebi por mensagem da Carol, em casa, com título sugestivo: “nosso novo presidente”. Era brincadeira dela. Brincadeira com um fundinho de verdade. O apresentador-garoto-propaganda-presidenciável não descarta a candidatura, disse em entrevista, dia desses. Na avaliação dele, o país vive um “trauma ético”. Precisamos de renovação geracional. Verdade.
A propaganda “torne-se um professor e aumente sua renda” traumatiza. Deveria traumatizar, pelo menos. É daquelas experiências emocionais intensas e desagradáveis, que deixam marcas na gente. Deveria indignar. Que nada. Entre nós, atrai público. Afinal, são dez cursos de licenciatura 100% online!
Prevê a LDB (Lei de Diretrizes e Bases): os cursos de graduação, da modalidade licenciatura, formam professores para atuar na educação básica. Quanto à educação básica, lembro, abrange a formação que todos devemos ter. Todos.
Sua finalidade, continua a LDB, é desenvolver a pessoa (afetiva, moral e intelectualmente), assegurando-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania e lhe fornecendo os meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
Licenciatura é assunto muito sério. Sua finalidade, repito, é formar professores! Gente que, protagonizando a educação básica das crianças e jovens, assume papel central para o desenvolvimento do país.
Não é “bico” para “aumentar renda”. Sem professores da educação básica bem formados e valorizados continuaremos do jeito em que estamos, um país mal educado.
Educação não deveria ser reduzida a um negócio, vendido por empresas que, no final das contas, querem é lucrar. Eis o objetivo do empreendimento: o lucro.
Licenciatura não poderia jamais ser vendida por aí como produto de segunda linha (Pego-me imaginando o garoto-propaganda negociando a mercadoria em um outlet: “tá com uns defeitinhos, mas quase não dá para perceber. Vale a pena”).
Só mesmo um país muito mal educado, sem educação básica, pode admitir tamanho absurdo. Só mesmo num país muito mal educado uma coisa dessa serve de publicidade e atrai consumidor. Só mesmo num país muito mal educado educação é negócio lucrativo, no qual a educação e sua qualidade são o que menos importa.
Uma renovação geracional, para melhor, exige educação básica de qualidade para todos. E isso passa por bons e valorizados professores. Temo a renovação que possa vir liderada por quem divulga, vende ou compra curso de licenciatura como segunda graduação para aumentar renda.