Do Leme ao Pontal não há nada igual, já diria o hit de Tim Maia. Patrícia Farias, 35 anos, foi de uma ponta a outra do litoral carioca – mais de 30 km – nadando e até hoje é a única mulher conseguir tal feito. Mas isso foi no ano passado. Na última sexta-feira, ela foi além: completou os 36 km da Maratona do Golfo – Travessia Capri-Nápoles, na Itália, um dos trajetos mais desgastantes das maratonas aquáticas.
Como você avalia sua participação na Travessia Capri-Nápoles?
Patrícia Farias: Foi o mar mais difícil que peguei na vida! O próprio presidente do comitê organizador disse essa foi a edição mais difícil em termos de condições climáticas. Assim pegamos um mar muito difícil, muito mexido, e um vento contra que bateu nos 10km finais e deixou o nado mais pesado, aumentando o desgaste físico. Então tive que tirar forças de onde nem tinha ou imaginava para finalizar a prova no tempo limite para a organização do evento, que era justamente de 11 horas. Dei tudo de mim e valeu a pena. Foi uma experiência incrível e muito gratificante, que ressalta como a maratona aquática mostra, especialmente a nós mulheres, que somos capazes de nos superar e ir além dos limites para alcançar nossos sonhos e metas, independente dos obstáculos.
Qual foram os momentos mais difíceis da prova?
Além do vento que que gerou forte ondulação e nos obrigou a nadar contra a correnteza nos 10 km finais, também teve a quebra do barco de apoio. Nadei sozinha por cerca de 20 minutos, minha hidratação ficou comprometida e acabei tendo um forte enjoo no final da prova. Curiosamente, nos primeiros quilômetros a corrente estava boa e consegui imprimir um ritmo forte, que dava a impressão de que daria para finalizar a prova em 7 horas, mas a natureza é mesmo imprevisível.
Dá para comparar com a travessia solo do Leme ao Pontal, feito que até hoje você foi a única mulher a alcançar? Poderia traçar paralelos entre os dois trajetos?
Ambas tiveram um nível de dificuldade muito grande. Peguei muita corrente contra e ondulação do mar em abas. Isso não só aumenta o desgaste físico como também o tempo de deslocamento, forçando a nadar por mais tempo um trecho curto. Mas o que Capri tem de diferente do Rio é o vento forte, que aumentou a corrente contra deixou o mar ainda mais mexido. Foi muito difícil vencer as ondas batendo na cara, quebrar essa corrente que parecia te jogar cada vez mais para trás. Tirei forças de sei lá onde para ir até o fim.
Qual é o aspecto mais desafiador de uma maratona aquática?
Para mim, são as condições do mar. Existe uma previsão, uma medição estatística, mas você nunca sabe ao certo o que vai ter pela frente, as coisas mudam muito de repente e na hora você tem que aprender a lidar e tentar superar.
Por que você escolheu essa modalidade?
Sempre pratiquei natação desde criança e fui atleta federada até os 16 anos. Mas queria algo que me desafiasse mais, me tirasse da rotina e da zona de conforto. Piscina é ótimo, mas o mar é algo que muda diariamente, tem seus momentos de calmaria, outros de muita ação e isso acabou me motivando a superar meus limites, sempre querer melhorar e, consequentemente, buscar novos desafios nas águas abertas. Não existe prova igual a outra, treino igual ao outro, tudo muda de acordo com a natureza naquele dia, hora e momento. Assim, optei por ficar na maratona aquática e sigo apaixonada por cada prova, e cada conquista.
Como é sua rotina de treinos e preparação para cada prova?
Eu nado todos os dias, intercalando praia e piscina, em média 10 km. Faço dobras de treino piscina duas a três vezes na semana, dependendo do calendário Também malho na academia três vezes por semana, uma hora e meia por dia. Nesse período também faço treinos de quatro a seis horas em mar aberto, com acompanhamento de barco, e também provas menores, de 2 km até 10 km, para ganhar ritmo de prova. Tudo depende do desafio: para a Capri – Nápoles eu vinha me preparando desde outubro do ano passado.
Que conselho você daria para quem está começando?
Quem quer partir para ultramaratonas deve primeiro passar por provas mais curtas, pois nadar em mar aberto é muito diferente do que vemos em piscina. Ela faz parte do treino, claro, mas no mar, rio ou represa tem corrente, onda, isso tudo interfere. Acho legal o atleta se testar e fazer uma transição gradativa de provas, seguindo uma linha: 5km, 10km, 20km, 30km… Conforme o volume de treino for aumentando, o atleta pode aumentar o volume, mas sugiro sempre orientação do treinador. Diferente das piscinas, sofremos muito com as condições climáticas e surpresas que a natureza reserva. Por isso mesmo a maratona aquática nunca é algo que se pode fazer sozinho, é preciso de alguém do lado para a própria segurança do atleta. Assim, ter um bom técnico é essencial.
Fonte: ESPN