A revista eletrônica Consultor Jurídico entrevistou o paraibano Eitel Santiago, que disputa a chefia do Ministério Público Federal. Ele acredita que o trabalho do Ministério Público não deve ser sinônimo de tensão com os Três Poderes.
Eitel afirma que, se for escolhido para comandar a Procuradoria-Geral da República no próximo biênio, será parceiro de órgãos governamentais para promover ações contra desigualdades sociais e melhorar serviços de educação, saúde e segurança pública. Sem abrir mão do combate à criminalidade, a ideia é “reerguer outras bandeiras, enfatizando a nossa missão em defesa dos direitos humanos, nossa vocação natural”.
Paraibano, Eitel Santiago foi corregedor-geral do MPF e vice-presidente do Conselho Superior da instituição. Ele está entre os oito candidatos à cadeira hoje ocupada por Rodrigo Janot.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) fará consulta ao MPF na terça-feira (27/6), para enviar lista tríplice ao presidente Michel Temer (PMDB). A elaboração dessa lista acontece desde 2001 e tem sido seguida desde 2003, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, embora o Planalto tenha livre escolha.
Eitel Santiago adota em seus discursos um tom crítico sobre a gestão atual. Além de ver pouco diálogo da PGR com instituições, considera que o Ministério Público tem atuado de forma “pouco discreta” na tentativa de moralizar a vida pública, quando poderia cumprir deveres “preservando o máximo possível a intimidade e a imagem das pessoas”. Diz ainda que órgãos colegiados poderiam rever acordos de colaboração premiada homologados por relatores, inclusive quando um líder de organização criminosa consegue perdão judicial.
O candidato nasceu em João Pessoa e graduou-se em Direito pela Universidade Federal da Paraíba em 1976. Foi corregedor-geral do Ministério Público Federal (2005-2006), vice-presidente do Conselho Superior do MPF até 2015 e coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, focada em ações de improbidade e contra a corrupção. É professor de Ciência Política, Direito Constitucional e Direito Penal na UFPB desde 1991.
Na Paraíba, foi secretário de Segurança Pública entre 2007 e 2009, no governo Cássio Cunha Lima (PSDB). A atuação de membros do MP em cargos de confiança “enrique a instituição”, declarou Santiago em 2015 ao site Congresso em Foco. Às vésperas da votação da lista tríplice, viajou à terra natal para rever colegas do MP e reunir-se com a família durante os festejos juninos de São João, num pequeno sítio no interior paraibano.
Leia a entrevista:
ConJur — Por que o senhor quer ser procurador-geral da República?
Eitel Santiago — Ingressei na carreira em outubro de 1984. Participei, portanto, dos movimentos para definir, na Constituição de 1988, o perfil de nossa instituição. Como procurador, atuando nos mais diferentes ofícios, tenho contribuído por mais de 32 anos para construir a história do Ministério Público. Quero ser procurador-geral para que a instituição continue sendo parceira da sociedade brasileira, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses da coletividade. Posso ajudar nessa tarefa comandando o Ministério Público. Se conseguir realizar a aspiração de chefiar o Ministério Público, vou prosseguir no combate à criminalidade, marca da atual gestão. Porém, pretendo reerguer outras bandeiras, enfatizando a nossa missão em defesa dos direitos humanos, nossa vocação natural. Estarei, por outro lado, atento às iniciativas destinadas a proteger o meio ambiente, a enfrentar quaisquer formas de discriminação, a apoiar as políticas de desenvolvimento sustentável e de inclusão de pessoas marginalizadas. Cuidarei de ser parceiro dos órgãos governamentais em ações voltadas para a erradicação da miséria e a diminuição dos desníveis sociais e regionais. Quero ser procurador-geral para estimular os membros do Ministério Público a atuarem, com prioridade, em favor da melhoria dos serviços públicos de educação, saúde e segurança pública, que são as principais aspirações do povo brasileiro.
ConJur — Quais principais problemas atuais da PGR o senhor pretende solucionar, caso escolhido?
Eitel Santiago — Instaurou-se, na atualidade, um clima de desconfiança dos Poderes da República com a Procuradoria-Geral. Isso decorreu, em parte, da atuação pouco discreta dos membros do Ministério Público em prol da moralização da vida pública nacional. Podemos cumprir nossos deveres preservando o máximo possível a intimidade e a imagem das pessoas que investigamos. Por outro lado, parece-me que o procurador-geral não dedicou o tempo necessário para manter abertos os canais de comunicação com algumas autoridades de outros Poderes da República. Esse é, na minha opinião, o principal problema da Procuradoria-Geral da República. Outros existem, mas poderão ser resolvidos com mais facilidade, porque exigem apenas dedicação e empenho dos gestores do Ministério Público. Conto 61 anos de idade. Poderia até me aquietar. Confesso que faria isso se não estivéssemos mergulhados na maior das crises de nossa história. Foram as tensões da PGR com membros dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e, também, os desafios do momento que me estimularam a participar do processo, oferecendo o meu nome para ser o procurador-geral da República, no próximo biênio. Pretendo, se for nomeado, dedicar-me pessoalmente a restabelecer o diálogo amistoso, num clima de confiança recíproca, como as autoridades dos Poderes da República. Considero essa ação importante para que tenhamos os recursos financeiros necessários ao bom funcionamento do Ministério Público e, principalmente, para aliviar tensões indesejáveis ao bom funcionamento da democracia. O procurador-geral da República precisa ser um parceiro dos Poderes da República na busca de soluções para superar a crise que o Brasil enfrenta.
ConJur — Qual sua avaliação sobre o foro por prerrogativa de função?
Eitel Santiago — É preciso alterar a Constituição para que o foro especial por prerrogativa de função seja reservado apenas a poucas autoridades. Do modo como regulado atualmente, cuida-se de um privilégio inaceitável porque proporciona a impunidade de muitos delinquentes.
ConJur — A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP) são suficientes para conter excessos?
Eitel Santiago — Para punir qualquer abuso de autoridade, nas esferas penal, civil e administrativa, não é necessário inovar na ordem jurídica. A Lei 4.898/1965 já descreve vários comportamentos que configuram abuso de autoridade, impondo sanções e prevendo o rito processual para a respectiva apuração. Quem se considere vítima de abuso de autoridade praticado por algum servidor da polícia ou membro do MP pode representar e conseguirá, se for procedente a representação, punir o infrator. Não se justifica alterar a legislação para criar delitos de interpretação, com o nítido propósito de intimidar os servidores da Polícia ou os membros do Ministério Público que trabalham no combate à corrupção.
ConJur — Há critério objetivo para definir o que é obstrução da Justiça/embaraço à investigação?
Eitel Santiago — No campo penal, a análise de um comportamento se faz examinando as provas reunidas na investigação e averiguando se há na legislação algum preceito tipificando a conduta como criminosa. Hoje se fala muito em obstrução de justiça, mas o Código Penal, na parte que trata dos delitos contra a administração da justiça, não apresenta uma infração com esse nomen iuris. Apesar disso, há infrações que podem embaraçar a realização da justiça. Entre as que se caracterizam por retratarem condutas que podem, vamos dizer assim, obstruir ou embaraçar a justiça penal estão as descritas nos artigos 339 (denunciação caluniosa), 341 (autoacusação falsa), 342 e 343 (falso testemunho ou falsa perícia), 344 (coação no curso do processo), 347 (fraude processual), 348 (favorecimento pessoal), e 349 (favorecimento real). Basta ler os preceitos de cada um desses dispositivos para se observar os requisitos objetivos caracterizadores de cada uma daquelas condutas.
ConJur — Acordo de colaboração premiada já homologado pode ser submetido a revisão em Plenário?
Eitel Santiago — Entendo que sim. A Lei 12.850/2013, no § 11º do artigo 4º, permite que o plenário do órgão jurisdicional colegiado, no momento do julgamento, aprecie os termos do acordo singularmente homologado e a sua eficácia. Ora, o momento do julgamento é posterior ao momento da homologação que pode ser feita por decisão singular do Relator, como revela o § 7º do artigo 4º da Lei 12.850/2013. Por outro lado, antes do julgamento, podem as partes (Ministério Público ou colaborador) retratar-se da proposta. Neste caso, as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor (§ 10 do artigo 4º da Lei 12.850/2013). Parece-me incorreto o entendimento de que o julgamento, que se deve reservar ao tribunal, possa ser substituído por decisão singular do relator. Também não considero correto que o colegiado mantenha uma homologação singularmente feita pelo relator, se resta evidenciado que há ilegalidade manifesta, como, por exemplo, quando se concede perdão judicial a líder de poderosa organização criminosa (inciso I do § 4º do artigo 4º da Lei 12.850/2013). Qualquer ilegalidade contida em decisão monocrática de um magistrado relator pode, em tese, ser corrigida pelo tribunal que integra, por for força da inafastabilidade do controle e do princípio da colegialidade. Esse é o meu entendimento.
ConJur — O que a PGR pode fazer para reduzir o tempo em que um processo fica no gabinete do procurador-geral, aguardando manifestação?
Eitel Santiago — Organizar melhor o gabinete e delegar atribuições a Subprocuradores-Gerais da República.