Declarações dadas por diferentes atletas para a Agencia Brasileira de Controle de Doping (ABCD) entre 2014 e 2015 revelam corrupção e esquemas para driblar exames ao final de competições. Os documentos confidenciais fazem parte de um processo enviado para a promotoria de São Paulo que estaria encarregada de investigar os casos.
Pegos em exames antidoping, atletas de diversos estados passaram a colaborar com a ABCD a partir de 2014 e, em declarações realizadas em Brasília para as autoridades, explicaram como funcionava o doping no Pais.
Um deles foi Francisco Ivan da Silva, suspenso em 2014 pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). No dia 3 de junho de 2015, ele foi até a entidade de controle de doping no Brasil e revelou como outros atletas, pegos em 2013, conseguiram ter seus exames “manipulados pagando R$ 100 mil”.
Ele também apresentou uma denuncia contra uma atleta que, para “regularizar sua situação”, foi obrigada a pagar R$ 150 mil. O relato teria sido feito pelo próprio marido da atleta que contou como a negociação dos valores evoluiu de R$ 80 mil para o valor final de R$ 150 mil. Francisco não soube dizer quem é que recebia os recursos.
Em outra declaração para a ABCD, o também atleta Silvano Lima Pinto levantou suspeitas sobre esquemas para se evitar o doping. “Soube que muitos atletas abandonam a prova ao saberem que ia haver um controle de dopagem”, disse. “No entanto, existem rumores no meio dos atletas de que determinados atletas, estranhamente, não são submetidos ao controle de dopagem, referindo-se ao exemplo dos atletas africanos que competem em corridas de rua no Brasil”, aponta o documento oficial do Ministério dos Esportes e obtido pela reportagem.
Considerado como “surpreendente”, um dos depoimentos dados ao grupo da ABCD foi a de Eliane Pereira, também pega num controle de doping. Reforçando a declaração de Silvano Lima Pinto, ela apontou em 2014 que atletas de fato “abandonam provas se veem que existe um teste”.
Eliane ainda dá detalhes de como atletas tentam evitar serem pegos em exames. “Nas corridas de rua, os atletas urinam ainda com a roupa da competição, após passarem a linha de meta”, disse. “Aproveitam o momento para jogarem água na cabeça e no corpo e urinam”, contou. Ela disse que “cansou” de fazer isso. “Fazem de tudo antes da coleta para não serem pegos”, insistiu. Uma das estratégias é ainda a de passar “Gelol nas calcinhas ou cuecas e nas mãos”.
Mas, segundo ela, o que não entende é como alguns atletas jamais são testados. Eliane disse que suspeita que “técnicos tenham acesso a informação”.
De acordo com sua declaração, o doping nas provas de rua é de uma dimensão importante. “Todos os atletas que participam em provas de rua utilizam substancias proibidas. Mas não são pegos”, declarou, lembrando que em seu caso chegou a comprar os produtos ilegais em um borracharia de Rio Claro (SP). “Muitos fazem transfusões sanguíneas no seu domicilio”, insistiu.
Questionada se sabia do envolvimento de outras pessoas nos esquema de doping, ela confirmou. “Existem muitos técnicos envolvidos, pois o dinheiro é muito”.
No último sábado, a TV alemã ARD revelou como uma rede clandestina forneceria produtos proibidos para atletas e mesmo para a elite do futebol nacional. Um dos principais elos dessa rede seria o médico de Piracicaba, Julio Cesar Alves.
No domingo, a Agência Mundial Anti-Doping (Wada, na sigla em inglês) confirmou que está investigando alegações de falta de controle do uso de substâncias ilegais no esporte brasileiro. “A Wada está ciente do documentário publicado pela emissora alemã ARD”, apontou o comunicado da agência. “Os assuntos levantados no documentário fazem parte de uma investigação em curso atualmente sendo realizada pelo time de investigação e inteligência da Wada”, confirmou a entidade com sede no Canadá. De acordo com a agência, nenhum detalhe pode ser dado neste momento sobre a apuração.
De acordo com o documentário da ARD, o País não conta com um sistema de controle suficiente, o treinamento é inadequado, o abastecimento de produtos é amplo, a pressão das instituições é real e a ação judicial é falha.
Uma das investigações da Wada ocorre justamente com empresas que são terceirizadas no Brasil para realizar os testes. Em uma gravação telefônica que está de posse da Wada, uma das empresas deixou claro que o organizador de um torneio para escolher quem ele quer testar. Ao ser questionada quem seria testado, a empresa responde: “normalmente testamos os três primeiros colocados e mais três outros. Mas você pode decidir isso”, disse.
Fonte: Estadão