Papai Noel não virá à Paraíba

Amadeu Robson Cordeiro

Não tenho bola de cristal como alguns doutores que assim se fazem dotados deste dom, mas, creio, que o Papai Noel não visitará a Paraíba em sua próxima peregrinação. As renas preferiram um pouso mais tranqüilo em nossa abastada vizinhança, já que o tempo em nossa terrinha vem preludiando nuvens carregadas e tenebrosas e as nossas chaminés raquíticas e atrofiadas, estão fragilmente aquecidas nas migalhas de garranchinhos ressequidos e desnutridos pelo descaso da grande corte, descortês. Nosso querido velhinho de barbas brancas não correrá o risco de por aqui ficar atolado. Seria injusto.
É final de ano e no rastro da sua passagem ficaram lembranças registradas em algum cantinho da nossa memória. Memórias de um tempo passado onde alegria e tristeza, conquista e perda fizeram sua parte como síntese da vida. Enfim, é Natal.
Com seu viço próprio a data da hegemonia universal estará sendo recheada e festejada em mansões e malocas; brindada com champagnes e cachaças; encenada com presentes e ausentes; louvada por Deus e por deuses. Daí, perdoe-me meu Senhor e desculpe-me Freud, parece que estamos perdendo nossas referências, onde o Poder neurótico e ditador, a hipocrisia e o cinismo tornam-se o deus brincalhão de nossas vidas.
Observo, também, a subjugação do funcionalismo público com a supressão dos seus direitos e valores mais significativos, cada vez mais esquecidos, se tornando categoria prescrita do vocabulário oficial e menos real do que todas as renas e o próprio trenó do velho Noel. Enfim é Natal, no Palácio, na Fazenda, na Granja, menos na Receita de alguns celeiros públicos premiados e rotulados como algozes do grande Coronel.
Assim, o manequim e o presépio do Poder são um só. São cópias autenticadas de Reis Magos obesos, nutridos por um sistema político carcomido, muitas vezes, entrelaçado com setores da grande mídia que sobrevive na podridão, à custa de troca de favores e da arte de nos enganar.
Recentemente tive a oportunidade de ler um folder do Deputado Federal, Chico Alencar, que me foi muito sugestivo. O texto faz alusão ao Capítulo 20 do Livro do Êxodo, do Antigo Testamento bíblico, escrito no ano 1.250 antes de Cristo. Ali, um Deus libertador, que “faz sair seu povo da casa da escravidão”, já oferecia a Moisés regras de conduta, um decálogo de princípios. Estes imperativos e proibições orientaram uma prática de vida que, atualizada, pode inibir a sucessão de transgressões à moralidade pública, corriqueira em nossa política nacional contemporânea. A releitura dos “Dez Mandamentos” há de ser útil para algumas autoridades públicas, revestidas de poder temporário, cingidas que estão aos preceitos constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência:

I

AMARÁS a promoção do bem comum, esforçando-se para que todos usufruam o fruto do seu suor, sem retaliações as categorias funcionais, sem ostentação aos bens patrimoniais ou da prosperidade particular, com todo teu coração e entendimento;

II

NÃO PRONUNCIARÁS as expressões ‘Interesse Público, Lei de Responsabilidade Fiscal e Limite Prudencial’ em vão, confundindo a avultação e idolatria aos negócios privados, mentindo e sonegando o direito e interesse justo do povo;

III

GUARDARÁS separação entre trabalho dedicado e descanso salutar, desfrutando deste sem nenhuma vantagem indevida, derivada de interesses privados, ofertando a paz, a tranqüilidade e o bem estar a todos;

IV

HONRARÁS todos os antecessores que, na vida pública, praticaram a honestidade, o bom serviço, a defesa da causa de justiça, sem discriminações, cumprindo fielmente as leis por estes já elaboradas e em plena execução;

V

NÃO MATARÁS a esperança do povo com práticas que degeneram o sentido maior da política, pela falta de medicamentos essenciais à saúde já tão debilitada, nem por ameaças ou benesses, a tentativa de aliciamento de Poderes, corrompendo-se pelo poder dissolvente do dinheiro, da mentira, do cinismo, da hipocrisia e da cooptação;

VI

NÃO COMETERÁS atos de promiscuidade entre o público e o privado, ao deixares cingir muros de contenção em tuas fronteiras, repelindo o trabalho justo do povo, impedindo-os do sustento ao pão de cada dia, nem manterás relações impublicáveis de intimidade com aqueles que buscam ganhar em contratos com o Estado;

VII

NÃO ROUBARÁS O ERÁRIO, em nenhuma das variadas formas que a corrupção sistêmica criou: tráfico de influência, compras sem licitação, isenções fiscais e termos de acordo sem critérios; polpudas doações de campanha como retorno de obras públicas superfaturadas;

VIII

NÁO DARÁS FALSO TESTEMUNHO esfriando e esvaziando com falsas promessas a fé pura do povo, nem obrigarás tua assessoria de imprensa a mentir para esconder relações que não resistam à transparência e aos critérios da moralidade administrativa;

IX

NÃO COBIÇARÁS fascinado pela ascensão à vida de luxo e prazeres, o que não te pertence, nem darás a teus cônjuges, parentes consangüíneos diretos ou amigos, privilégios e oportunidades que não são oferecidos às pessoas comuns;

X

ZELARÁS com rigor pelo patrimônio público, sobre o qual tens mandato e que transitoriamente gerencias, não confundindo justo salário dos servidores com polpudos salários da tua Corte.
Com a desumanidade reinante, penso até que se Jesus Cristo tivesse que nascer neste Natal, na Paraíba, em poucos dias seria crucificado na Praça dos Três Poderes, porque, tenho certeza, contestaria quase tudo que está sendo feito, em seu santo nome.

Enfim, é Natal e cantemos:

Anoiteceu, o sino gemeu,
A gente ficou, feliz a rezar.
Papai Noel, vê se você tem,
A felicidade prá você me dar.

Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel.
Bem assim felicidade, eu pensei que também fosse brincadeira de papel.
Já faz tempo que pedi, mas o meu Papai Noel não vem.
Com certeza já morreu ou então felicidade é brinquedo que não tem…

Um feliz Natal e que o Senhor nosso Deus nos dê Carta de Alforria, nos abençoe, nos ilumine, nos guarde e nos proteja de todo mal.