Direitos

Pessoas trans podem alterar registro sem cirurgia

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de mudança do registro civil de uma pessoa transexual sem que seja necessário passar por procedimento cirúrgico. A decisão, tomada por 4 votos a 1, diz respeito ao caso de uma transexual que nasceu do sexo masculino, mas se identifica como sendo do gênero feminino. A decisão ocorreu nesta terça-feira (09/5).

Seguindo o voto do relator, ministro Luís Felipe Salomão, a 4ª turma reconheceu que a identidade de gênero se sobrepõe à variável biológica – e que, por isso, não é obrigatório que a pessoa trans tenha que passar pela cirurgia redesignadora para conseguir alterar seu registro.

“A imposição de um condicionamento da identidade de gênero à cirurgia configura claramente intromissão estatal na identificação da identidade de gênero”, argumentou Salomão no início do julgamento, em outubro de 2016. A recusa do direito de adequação, segundo ele, poderia configurar uma inobservância da liberdade de escolha.

No entendimento do relator, a identidade de gênero está atrelada ao conceito de pertencimento de cada um, independentemente de sua constituição física ou genética. “Não existe determinismo biológico quando se fala na construção da identidade de gênero.”

O julgamento foi retomado nesta terça-feira (9/5) para que o ministro Antônio Carlos Ferreira votasse. Em fevereiro, ele havia pedido vista para analisar melhor a questão. Para ele, “se desejada pelo cidadão no pleno exercício de sua liberdade, a transgenitalização deve ser possível, mas jamais obrigatória para o exercício de seus direitos”.

Ferreira também fez coro ao raciocínio do ministro Marco Buzzi – que também votou pela possibilidade de retificação sem cirurgia – para quem a identidade psicossocial prepondera sobre a identidade biológica. “Ou seja, o sujeito vive o gênero, não a variável biológica. ”

A ministra Isabel Galeotti completou a maioria de votos para que a mulher trans possa ter o registro alterado sem que seja obrigatório passar pela cirurgia. O Ministério Público Federal também havia se manifestado pelo provimento do recurso.

A única divergência veio por parte do ministro Raul Araújo, que considerou o tema fora do escopo de atuação do STJ. Para ele, quem deveria analisar a questão é o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, a discussão relativa ao registro de pessoas trans é constitucional.

Verdade biológica

O Recurso Especial 1.626.739 tinha como objetivo reverter entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que considerou a definição do sexo um ato médico. “O registro civil de nascimento deve espelhar a verdade biológica, somente podendo ser corrigido quando se verifica erro”.

Por isso, o tribunal gaúcho rejeitou a retificação do sexo masculino para feminino nos documentos da mulher. O argumento foi de que fazer constar a mudança de sexo quando a pessoa ainda tem os órgãos genitais do sexo oposto seria inserir um dado não verdadeiro no registro civil.

O caso chegou ao STJ pelas mãos do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que considera que só a alteração do nome, sem a consequente adequação da informação relativa ao sexo, mantém o constrangimento decorrente do transtorno de identidade.

É que, embora socialmente registrada com nome evidentemente feminino, a pessoa continua designada como de sexo masculino, informação obrigatória em seus documentos.

Enquanto isso…

Embora tenha chegado ao fim nesta terça no STJ, o assunto ainda está em debate no Supremo. Em abril, foi adiado o julgamento que discute a mesma questão: a possibilidade de alteração de gênero no registro civil de transexual, mesmo sem a realização de cirurgia para mudança de sexo.

A análise do Recurso Extraordinário 670.422 estava pautada para o dia 20/4, mas os ministros decidiram deixar a análise para ser feita em conjunto com a ADI 4275, proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR).

A ADI também pede que seja reconhecido o direito de transexuais alterarem seu nome e sexo no registro civil mesmo para os que não fizeram a cirurgia de transgenitalização. O adiamento da ação foi um pedido do relator, ministro Marco Aurélio Mello.

Na ação, argumenta-se que o não reconhecimento do direito de transexuais à troca do prenome e da definição de sexo (masculino ou feminino) no registro civil lesiona preceitos fundamentais da Constituição, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da vedação à discriminação odiosa, da igualdade, da liberdade e da privacidade.

Fonte: UOL