Os livros, os desvios, a campanha e um defunto no Banco do Brasil

Nilvan Ferreira

Tudo que os aliados do governador não desejam para este fim de ano é um presente que signifique a possibilidade de instalação de uma CPI para apurar possíveis ligações entre a compra de livros, na Prefeitura da capital, os pagamentos considerados irregulares e já denunciados e a campanha do ano passado. Transformando em miúdos: o medo é que as denúncias feitas pelo empresário Daniel Gonçalves sejam verdadeiras e que os recursos, possivelmente desviados e pagos de forma irregular tenham sido usados para “bancar” as despesas de campanha do atual governador.

É uma espécie de capítulo histórico que os “ricardistas” não esperam presenciar em nenhum momento. Entre os aliados do governador esse assunto causa pânico. Nesta história, a bem da verdade, parece que não existe nenhum santinho. Não tem “menino besta” nesta turma que protagoniza um dos maiores festivais de denúncias, envolvendo recursos públicos. Num país que deseja ser sério, metade dos denunciados já teria sido convocada a dar explicações e as evidências receberiam tratamento significativo, primando pela preservação de uma apuração rigorosa, baseada sempre no cuidado aos recursos que pertencem ao povo.

De Daniel a Coriolando, passando por Urquiza, Pietro e Edvaldo Rosas, todos devem ser investigados. É obrigação de um estado e questão de respeito às suas instituições, que não podem ser desmoralizadas sob o manto da impunidade e de tentativa de descaracterizar indícios fortes de péssimos exemplo de como não lidar com o patrimônio do povo.

E a cada dia o “buraco” fica mais embaixo. Novos elementos são levantados e podem deixar o caso com contornos incalculáveis do ponto de vista ético. Podemos estar diante de um poço profundo de atitudes nefastas e que não podem cair no esquecimento. Somente uma investigação séria e comprometida com o esclarecimento dos fatos, poderá dizer quem está mentindo para a sociedade e para o cidadão contribuinte.

Hoje, durante audiência pública, realizada pela Câmara de Vereadores, com o objetivo de debater o tema, se assistiu uma deslavada tentativa de mudar o foco das coisas. Servidores públicos, lotados na empresa de limpeza urbana da capital foram usados para servir de platéia durante a sessão e um espetáculo deprimente tentou substituir a discussão equilibrada e que deveria ser esclarecedora.

Lá estavam o empresário autor das denúncias, Daniel Cosme Gonçalves, Coriolando Coutinho, Pietro Harley, Alexandre Urquiza e Edvaldo Rosas, frente a frente, sob vaias e aplausos e como tema principal um processo licitatório que ganhou destaque a nível nacional. Diante de um intenso debate, um detalhe é apresentado ao público e se transforma na grande novidade desta novela.

A conta bancária, supostamente aberta numa agência do Banco do Brasil, da cidade de Santa Luzia, segundo documentação apresentada nesta quinta-feira, estaria em nome de uma pessoa que morreu, vítima de um acidente automobilístico no ano de 2008. Isto mesmo. A conta corrente que foi usada na transação de pagamento de mais de 2 milhões de reais, referente a compra de livros, envolvendo a Prefeitura de João Pessoa, teria sido aberta usando o nome de uma pessoa que já faleceu.

E o mais grave: nesta conta bancária, que estaria registrada em nome de um falecido, teria sido movimentada uma considerável soma de recursos, oriundo do poder público e sacado por figuras tidas como influentes no meio político da Paraíba. A sessão de hoje deixou mais dúvidas nesta confusão que podem ser consideradas “o fio da meada” de uma conexão que poderá causar prejuízos incalculáveis pra muita gente graúda. As entranhas desta história assombrosa pode não ser um bom exemplo de comportamento a ser adotado pelos nossos filhos e netos.

O imposto que o paraibano paga diariamente, não pode ser usado como moeda de troca, como trampolim, nem para ações ilícitas que visem favorecer ou prejudicar quem esteja no centro do poder ou desejando atingir o topo da pirâmide administrativa. Denúncia é pra ser apurada em toda a sua extensão. Indícios devem ser apreciados. Os fatos merecem ser aprofundados e a sociedade precisa tomar conhecimento de tudo, de forma transparente.

O debate não pode ser travado, destemperado ou exacerbado. Apenas dizer que mentem os denunciantes não resolve o problema. Precisamos ir mais longe. Temos a obrigação de mostrar a verdade verdadeira. O tempo reclama e necessitamos conhecer se alguém desviou dinheiro da educação para servir ao financiamento de campanhas eleitorais.

Não interessa quem esteja envolvido. O que não podemos permitir é que a Paraíba fique calada diante da possibilidade de existência de uma verdadeira quadrilha que age nos corredores intestinais do poder a serviço de pessoas e de grupos. O nosso estado não pode ficar com o péssimo exemplo de se negar a apurar uma denúncia que parece ter contornos de seriedade. Não podemos escolher o caminho que vai de encontro ao comportamento mundial no momento: o de combate a corrupção.

Se realmente houve falsificação de procurações para legitimar pagamentos irregulares; se contas bancárias foram abertas no interior do estado para sacar recursos oriundo de pagamentos escusos; se funcionários de agências bancárias foram cúmplices nas transações; se existe uma conexão entre integrantes do serviço público e figuras tidas como “laranjas”; se dinheiro público foi desviado, lavado e usado para financiar campanhas eleitorais; se há servidores públicos com patrimônio que não pode ser justificado, baseado no seus vencimentos mensais. Tudo precisa ser esclarecido para a opinião pública de forma séria e imediata.

São as perguntas que merecem respostas urgentes. Para isto, cada segmento tem a obrigação de cumprir o seu papel em defesa da sociedade e da lisura. O Ministério Público que faça a sua parte. Que as organizações sociais também se engajem e procurem as respostas e que o parlamento assuma sua responsabilidade que é o de servir de instrumento esclarecedor.