Em um plenário onde o eco ricocheteia pela parede, os sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, se reunirão a partir da terça-feira, dia 4 de abril, para começar o maior julgamento de sua história. Eles decidirão se a chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer cometeu abuso de poder político e econômico para se eleger em 2014. Mais que isso, decidirão se Temer será cassado. O processo tem quase 8 mil páginas, divididas em 27 volumes. O ministro Herman Benjamin, relator do caso, preparou um relatório de mais de 1.000 páginas. Cada magistrado terá ainda de se inteirar das 2 mil páginas de parecer do Ministério Público Eleitoral e das alegações finais das partes envolvidas. A dimensão do julgamento extrapola em muito os números de folhas e caixas de papel. Repousa no peso de decidir o futuro político do país depois de dois anos de profunda crise, rearranjos e incertezas. “Não queremos criar, do nada, um tumulto político e econômico. Mas o pior tumulto é o descrédito do estado de direito”, tem dito a colegas o ministro Herman.
O processo, que pode ainda tornar a ex-presidente Dilma inelegível, começa a ser analisado em duas sessões ordinárias e duas extraordinárias. É provável que algum ministro entenda que não teve tempo para amadurecer sua opinião. A defesa da ex-presidente Dilma também pede mais tempo. Quando assumiu a relatoria do caso, em agosto do ano passado, o ministro Herman deu celeridade ao andamento do processo. O ministro paraibano de Catolé do Rocha, conhecido em sua terra como “ministro Toinho” (seu primeiro nome é Antonio), passou a protagonista político ao ter nas mãos a condução da Ação de Investigação Judicial Eleitoral 1943-58 – ainda assim, dispensou a companhia de guarda-costas da Polícia Federal. Herman construiu sua carreira no Direito Ambiental e do Consumidor (foi um dos autores do Código de Defesa do Consumidor). Já foi cotado algumas vezes para ascender ao Supremo Tribunal Federal. Ao se tornar corregedor-geral eleitoral, assumiu a relatoria das quatro ações propostas pelo PSDB de Aécio Neves, senador por Minas Gerais, que, derrotado pela chapa Dilma-Temer nas eleições, pediu a cassação dos adversários em novembro de 2014.
Conforme os advogados das partes foram, com instrumentos legais, alongando os trâmites para ganhar tempo, armaram para si uma arapuca. Herman teve tempo de incluir no processo os depoimentos de Marcelo Odebrecht e demais executivos da empreiteira que financiaram a chapa – o que, em termos de provas, é uma baita pancada. Em fevereiro, Herman obteve a autorização do relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, para ouvir os delatores da Odebrecht. Ele viajou o país para colher os depoimentos pessoalmente. As perguntas que o ministro fez, especialmente a Marcelo Odebrecht, denotam seu espanto com o estado de naturalidade que a corrupção tomou na campanha. “A instabilidade política não vem com a investigação da corrupção, mas com a corrupção em si” é outra das frases que Herman tem dito aos colegas. Foi com esse assombro que o ministro conduziu o processo e produziu seu relatório. É o que deve ditar também o tom de seu voto. A ação, que começou com um ranço de choro de perdedor, ganhou gravidade e consistência sob Herman.
As acusações que pesam contra a chapa são graves. Antes que a Odebrecht desse robustez às provas, já havia uma investigação importante sobre a prestação de serviços não comprovados pelas gráficas que trabalharam na campanha. Depois que Herman enviou aos colegas seu relatório, o Ministério Público Eleitoral emitiu um parecer sobre o caso, cujo conteúdo foi revelado pela GloboNews. O processo chega ao pleno com uma recomendação dos procuradores para que a chapa seja cassada. O vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, que assina o documento, entendeu, pelos depoimentos de Marcelo Odebrecht, que Dilma “tinha conhecimento sobre a forma dos pagamentos realizados a João Santana, responsável por sua campanha, via caixa dois”. Preso na Lava Jato desde junho de 2015, Marcelo disse a Herman que Dilma sabia dos pagamentos feitos ao marqueteiro do PT e sua mulher, Mônica Moura, no exterior, que totalizaram R$ 16 milhões.
Sobre o presidente Michel Temer, Dino entende que ele foi igualmente eleito abusando de poder econômico e político. Contudo, afirma que não há como concluir que ele possa ser pessoalmente responsabilizado. O procurador entende que, apesar de Marcelo Odebrecht ter mencionado um jantar com Temer com o objetivo de arrecadar dinheiro para a campanha, não há provas de que os valores foram tratados com o presidente. Por esse motivo, Dino pede que o mandato de Temer seja cassado, mas que ele não se torne inelegível. O Ministério Público se manifestou ainda sobre o argumento da defesa de Temer de que ele não pode ser declarado culpado por eventuais delitos cometidos pelo comitê financeiro do PT. O MP repete o que afirmou em maio de 2016, alegando a existência de jurisprudência na Corte Eleitoral de que a responsabilidade do titular em uma chapa vencedora reverbera na situação jurídica do vice. Temer, portanto, é tão responsável quanto Dilma. Não está claro se essa tese prevalecerá. O próprio proponente da ação, o PSDB, mudou de tom desde que Temer assumiu a Presidência, em agosto do ano passado, já que se tornou aliado de primeira ordem do PMDB no governo. Os ministros do TSE, diferentemente de outras Cortes, passam bastante tempo juntos, nos jantares de terça-feira e cafés da manhã de quinta-feira. Nessas conversas informais, não se falou do processo mais importante da história do Tribunal. Há um silêncio incomum em torno do caso.
Não há precedentes de um pedido de cassação de presidente da República chegar tão longe na Corte Eleitoral. O Congresso estuda os cenários possíveis. Partidos aliados a Temer, e o próprio Palácio do Planalto, contam com a permanência do presidente no poder. O Palácio conta com ao menos quatro votos contrários à cassação da chapa, com dois pela cassação e um voto como incerto. Temer apressou-se em indicar um novo ministro para a Corte, Admar Gonzaga, hoje ministro substituto. O advogado substituirá Henrique Neves, que deixará o TSE em meados de abril. Se o processo não for concluído até lá, Gonzaga votará no caso. Neves tem a opção, no entendimento de alguns, de deixar seu voto pronto.
Na possibilidade de o TSE cassar a chapa, deve acontecer uma eleição indireta, quando o Congresso elege o presidente da República. O Supremo Tribunal Federal deve ser acionado qualquer que seja o resultado do julgamento no TSE. E a eleição de 2014 parece seguir indefinida.
Fonte: Revista Época