Terror no cemitério

Rubens Nóbrega

A degradação do Cemitério Senhor da Boa Sentença é coisa do outro mundo. Nunca, em tempo algum, jamais se viu o principal cemitério público de João Pessoa tão devastado, tão saqueado, tão pilhado, tão esbulhado.

A situação do Cemitério Senhor da Boa Sentença é mesmo de morte ou de matar qualquer um de vergonha ou indignação. Menos, talvez, o prefeito Luciano Agra e o secretário responsável pelos cemitérios municipais.

Digo isso em razão dos apelos de pessoas que vez em quando sugerem ao colunista chamar a atenção do alcaide para o estado deplorável em que se encontram o Boa Sentença e outros cemitérios administrados pelo governo da Capital.

Digo isso ainda porque semana retrasada recebi do advogado Léo Vieira – porque soube que ele tinha e lhe pedi – fotografias que mostram no Boa Sentença um cenário de destruição, de abandono, de desleixo, de desídia, enfim.

Já na semana passada, recebi do escritor Damião Ramos – porque soube que ele escrevera e lhe pedi – um artigo (‘Da boa à má sentença’) em que relata tentativa de extorsão durante sepultamento de uma senhora falecida no exterior.

E esta semana recebi do também escritor Palmari de Lucena – porque soube que ele também escrevera e lhe pedi – um artigo (‘A morte do campo santo’) sobre o mesmo caso do enterro da mulher que potenciais extorsinários batizaram de ‘a rica estrangeira’.

Na verdade, a tal ‘gringa’ é bem brasileira, filha de estimada família que migrou daqui faz tempo. Há muito ela residia nos Estados Unidos e por lá morreu. Antes de morrer, pediu para ser sepultada no Boa Sentença, no mesmo jazigo onde estariam enterrados alguns de seus ascendentes.

Nas minhas contas, o fato aconteceu em 25 de novembro último, no final da tarde daquele dia, uma quinta-feira, e começou quando o féretro foi recepcionado no Boa Sentença por um grupo que se comportava de forma muito suspeita ou esquisita.

– Um estranho movimento de curiosos entrando e saindo, com capacetes na mão, e, fora do portão, outros se comunicavam, por sinais ou celulares, ora apontando relógios, ora sinalizando maquinações para o enterro da ‘rica estrangeira’… – descreve Damião em seu artigo.

Na seqüência, um coveiro tentou renegociar o preço de seus serviços: dos R$ 150 inicialmente acertados, pulou subitamente para R$ 1.200, quantia que deveria ser paga antecipadamente, sob pena de o caixão ficar ao relento, fora do túmulo.

O problema do coveiro foi parcialmente resolvido. Não com dinheiro, mas com uma ‘dura’ que ele levou de Damião e de outros presentes. Tanto que o caixão foi colocado ‘na marra’ no túmulo, mas o túmulo não foi lacrado.

Depois, uma queixa – inútil, diga-se – foi prestada à Administração. A pretensa administradora nada fez e seus modos só aumentaram a apreensão de parentes e amigos da falecida, que trataram de fugir rapidamente do cemitério.

“Escapamos furtivamente, escondendo dinheiro, celulares, relógios, pulseiras, jóias; menos a defunta que, exposta, dormiu no túmulo aberto”, conta Damião, que fecha o seu artigo com as seguintes e tristes constatações:

– Há tempos, o Cemitério da Boa Sentença tem reclamado a responsabilidade municipal, entregue às vicissitudes da miséria: desprezo, sujeira, baratas, túmulos abertos, ossos expostos e pela manhã, medo; ao entardecer, terror.

 

A morte do campo santo

Sob esse título, Palmari de Lucena escreveu em seu blog que vandalismo, abandono e lixo transformaram o Boa Sentença “em uma enorme terra sem dono”, onde os antepassados ficam “à mercê de pessoas indiferentes” e os mausoléus se tornam “prendas fáceis da luta de classe que continua após a morte”.

Lembrando ainda que reportagens de tevê e crônicas recentes denunciaram esse quadro tenebroso e vergonhoso no Boa Sentença, Palmari ressalta que “a criminalidade que engolfou o pequeno cortejo fúnebre no sepultamento de uma ilustre paraibana expôs a triste verdade que gostaríamos de esquecer ou negar”. E arremata:

– Lugar de descanso dos nossos antepassados e repositório da nossa história, o campo santo está morrendo, vítima do apetite insaciável de tudo aquilo que desafia ou subestima os princípios básicos da nossa tradição e cultura. Os atos de vandalismo e corrupção que ocorrem no cemitério são crimes, ferem os princípios de inviolabilidade do cadáver e a Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos remetem a uma atemporal Antígona que, desde a antiguidade clássica e em nome de leis superiores e não escritas, luta por dar digna sepultura aos membros da sua família…


A morte do contraditório

Desculpem, mas nesse caso, sobre o caso denunciado por Palmari e Damião, resolvi não perder tempo solicitando esclarecimentos à Prefeitura de João Pessoa.

Pra quê, se antecipadamente sei que estou indexado e não terei retorno algum da gestão que aí está, disposta a matar qualquer possibilidade de contraditório quando é demandada por quem lhe faz críticas?

De qualquer modo, se o prefeito Luciano Agra, o secretário da área ou o(a) administrador(a) do cemitério quiser se pronunciar, para explicar, negar ou contestar, estarei às ordens e o espaço, à disposição.