"Bem ou mal, a imprensa tem que existir"

Marcela Sitônio

 

Sertaneja, princesense, guerreira, Marcela Sitonio se impôs pela coragem, pela independência, e mais ainda pela decência, conquistou os colegas de batente e se tornou a primeira mulher presidente da Associação Paraibana de Imprensa. Nessa entrevista que o Blog do Tião publica semanalmente com figuras de destaque do nosso jornalismo e das nossas letras, Marcela abre o coração, fala de tudo um pouco e você, leitor, só tem a ganhar lendo a entrevista de cabo a rabo.

1 – Qual a sensação de ser a primeira mulher presidente da API?

Tenho orgulho. Futuramente, independente do julgamento que possam fazer da minha gestão, estarei, inegavelmente, inserida em um capítulo da história da imprensa paraibana. A referência do pioneirismo ninguém poderá me tirar.

2 – A nossa imprensa está bem ou está mal?

Bem ou mal, ela tem que existir. Não há como pensar em democracia sem imprensa. Nossa realidade não é muito diferente dos demais Estados, principalmente, daqueles com as mesmas dimensões geográficas e com características sócio-econômicas. Evito pensar de forma maniqueísta, conceituando pessoas, situações, de boas ou ruins, tudo depende do ângulo que se olha. Nossa imprensa, com ou sem equívocos, tem dado sua contribuição à sociedade paraibana. Em toda categoria existe o profissional responsável e o negligente, acho que isso faz parte da condição humana.

3 – Parece que você não é muito favor do atual jeito de fazer rádio e tv com sangue e violência. Por que?

Sou a favor do jornalismo responsável, de qualidade, sem apelação, respeitando a diversidade e os direitos humanos. O jornalismo sensacionalista não é uma invenção da imprensa paraibana, ela existe porque tem audiência em todas as classes sociais e com ibope maior entre as famílias de baixa renda, sem acesso à educação. O tema violência é pautado pela mídia porque está no nosso cotidiano, mas acho que existem formas diferentes de abordar o assunto, sem tornar mais agressivo o que já é por natureza. A maioria dos nossos programas policiais virou um boletim de ocorrência (BO) policial. As noticias apresentadas acabam sendo o resultado de um apanhado junto às autoridades policiais e hospitais, sem muitos questionamentos ou contrapontos. São casos de estupros sem uma contextualização da problemática social, registros de acidentes, assaltos, assassinatos. Temos outros temas de relevância que não entram em pauta, como é o caso de tráfico humano, grupos de extermínios, corrupção. Se apurados, também renderiam audiência. Ocorre que o jornalismo investigativo requer tempo, investimento e profissionais qualificados.

4 – A liberdade de imprensa está sendo praticada na Paraíba?

Entre nós jornalistas, costumamos dizer que existe liberdade de empresa, não de imprensa. É uma liberdade relativa, não absoluta, onde o jogo de interesses determina o que deve ou não ser publicado. Temos uma democracia nova no país, ainda em construção e a imprensa, bem mais velha, acompanha esse processo de aperfeiçoamento das liberdades coletivas e individuais, queria Deus nunca mais haja um retrocesso.

5 – Qual avaliação que você faz da atual convivência governo/imprensa?

A de sempre em todos os governos. O inquilino do Palácio da Redenção quer ter todos os afagos da imprensa e, para tanto, costuma ser “generoso” com seus colaboradores. Já com os críticos, não há complacência. Eu, particularmente, acreditei numa mudança de relacionamento a partir de um discurso republicano de tolerância, respeito aos contrários, mas acho que foi ingenuidade, se é que podemos falar de ingenuidade aos 52 anos de idade.

6 – É verdade que a atual imprensa paraibana toma partido de facção A ou facção B?

Não vejo nenhum problema o jornalista ter suas preferências partidárias, nós somos seres políticos. O que não é correto é que esse posicionamento interfira na prática jornalística, na condução da notícia, sem apresentar o contraditório ou omitir fatos para favorecer ou prejudicar quem quer que seja.

7 – Você falou em vender o atual prédio da API. Isso procede?

Inicialmente pensei porque o prédio da API já não atende mais à demanda atual da imprensa e não tem acessibilidade. Nos últimos 10 anos, cresceu vertiginosamente o número de veículos de comunicação na Paraíba e as instalações físicas da entidade ficaram pequenas para comportar os profissionais nas entrevistas coletivas ou eventos maiores. Depois reavaliei a idéia porque nosso prédio é histórico, está numa área de preservação. O ideal seria poder adquirir um novo prédio e transformar o atual em memorial ou museu da imprensa, mas não temos recursos nem para recuperar nosso edifício sede.

8 – Os sócios da API cooperam com a entidade?

Apenas um por cento dos associados paga as mensalidades, então fica difícil trabalhar sem recursos. Mesmo que exista a intenção de fazer um bom trabalho, esbarramos na dificuldade financeira. Temos promovido eventos em parceria, usando da criatividade. Mais que isso, só com mágica.

9 – O Governo sempre bancou as despesas da API. Ainda banca?

Nossa fonte de renda é o aluguel do restaurante que funciona no térreo do prédio da API e o dinheiro minguado dos poucos associados que pagam as mensalidades em dia. Fizemos algumas gestões junto aos governos estadual e municipal para recuperar nosso prédio, contávamos com a colaboração do secretário Nonato Bandeira que já foi presidente da API e, melhor do que ninguém, conhece todas as dificuldades e demandas da entidade, mas, infelizmente, não houve nenhuma sensibilidade. Em Pernambuco, o prédio da Associação de Imprensa foi a leilão por conta de uma dívida trabalhista e o governador Eduardo Campos pagou R$ 500 mil pela desapropriação e transformou em memorial da imprensa.

10 – Todo presidente de API termina Secretário. Você vai ser?

Nem todos viraram secretários. Não me candidatei à presidência da API pensando em um dia vir a ser secretária de comunicação de estado ou município. Aliás, não faço uso do cargo para nenhum tipo de negociação, principalmente, em benefício próprio. Não estou na API com o intuito de agradar ou desagradar. Acredito ter sido eleita porque sempre estive presente nas lutas em defesa da minha categoria. Constantemente, reavalio minhas decisões e atitudes. Tento ser justa, coerente e prefiro pecar por excesso do que por omissão.