Gravações telefônicas obtidas pela Polícia Federal apontam que vários frigoríficos do país vendiam carne vencida tanto no mercado interno, quanto para exportação.
Diretores e donos das empresas estariam envolvidos diretamente nas fraudes, que contavam com a ajuda de servidores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Paraná, Goiás e Minas Gerais.
As gravações foram divulgadas após a deflagração da Operação Carne Fraca, nesta sexta-feira (17).
Nelas, segundo a PF, é possível identificar as práticas ilegais cometidas pelas empresas. Entre produtos químicos e produtos fora da validade, há casos ainda mais “curiosos”, como a inserção de papelão em lotes de frango e de carne de cabeça de porco na linguiça.
A operação envolve grandes empresas, como a BRF Brasil, que controla marcas como Sadia e Perdigão, e também a JBS, que detém Friboi, Seara, Swift, entre outras marcas, mas também frigoríficos menores, como Mastercarnes e Peccin, do Paraná.
A JBS afirmou que não tem informação de que algum executivo seu foi preso e informou que não há operação da PF na empresa. O G1 tenta contato com os demais citados na reportagem.
A BRF disse que está colaborando com as autoridades para o esclarecimento dos fatos. A companhia reiterou que cumpre as normas e regulamentos referentes à produção e comercialização de seus produtos, possui rigorosos processos e controles e não compactua com práticas ilícitas.
A BRF também assegurou a qualidade e a segurança de seus produtos e garantiu que não há nenhum risco para seus consumidores, seja no Brasil ou nos mais de 150 países em que atua.
Segundo a polícia, a “Carne Fraca” é, em números, a maior operação já realizada pela PF no país. O delegado federal Maurício Moscardi Grillo afirmou que os partidos PP e PMDB eram beneficiados com propina envolvendo o esquema nos últimos 2 anos.
Táticas de maquiagem
De acordo com o delegado federal Maurício Moscardi Grillo, produtos químicos foram usados pra maquiar o cheiro. “Também injetavam água na carne para aumentar o peso”, acrescentou.
Moscardi acrescentou que nem mesmo os fiscais envolvidos, que costumavam ganhar carnes dos proprietários como benefício, estavam aguentando a má qualidade dos produtos. “Eles comentavam entre si que não estava mais dando para receber”, disse.
“Eles usam ácidos, outros produtos químicos, para poder maquiar o aspecto físico do alimento. Usam determinados produtos cancerígenos em alguns casos para poder maquiar as características físicas do produto estragado, o cheiro”, completou o delegado federal.
A PF não detalhou, entretanto, quais empresas cometiam as irregularidades.
Carne de cabeça
Em um dos áudios gravados com autorização judicial, um dos donos da empresa, Idair Antônio Piccin, conversa com a mulher dele, Nair Klein Piccin, sobre o uso de carne proibida em lotes de linguiça. Os dois tiveram pedidos de prisão preventiva decretada pela Justiça.
Idair – Você ligou?
Nair – Eu, sim eu liguei. Sabe aquele de cima lá, de Xanxerê?
Idair – É.
Nair – Ele quer te mandar 2000 quilos de carne de cabeça. Conhece carne de cabeça?
Idair – É de cabeça de porco, sei o que que é. E daí?
Nair – Ele vendia a 5, mas daí ele deixa a 4,80 para você conhecer, para fechar carga
Idair – Tá bom, mas vamos usar no que?
Nair – Não sei
Idair – Aí que vem a pergunta né? Vamo usar na calabresa , mas aí, é massa fina é? A calabresa já está saturada de massa fina. É pura massa fina
Nair – Tá
Idair – Vamos botar no que?
Nair – Não vamos pegar então?
Idair – Ah, manda vir 2000 quilos e botamos na linguiça ali, frescal, moída fina
Nair – Na linguiça?
Idair – Mas é proibido usar carne de cabeça na linguiça
Nair – Tá, seria só 2000 quilos para fechar a carga. Depois da outra vez dá para pegar um pouco de toucinho, mas por enquanto ainda tem toucinho (ininteligível)
Troca de etiquetas de validade
Em outro áudio, Paulo Rogério Sposito, dono do Frigorífico Larissa, de Mauá, em São Paulo, orienta um funcionário a trocar as etiquetas das datas de validade dos produtos.
Segundo a polícia, os dois aparentam se aproveitar da ausência do fiscal do Mapa, citado como “filho da p*”, que está de folga. Sposito também é alvo de um dos mandados de prisão preventiva da operação.
Funcionário: Paulinho…
Paulo: Eu…
Funcionário: Deixa eu te falar uma coisa… Podia programar pra semana que vem, a gente trazer aquela mercadoria lá pra trocar as etiquetas né meu véi…
Paulo: Pode…pode sim
Funcionário: Já que num vai ter…né…já que nós vamo tá parado aqui.
Paulo: Primeira carreta que voltar de são paulo vazia passar lá e pega.
Funcionário: É isso aí… Ai nós já arruma…tem o que? Duas carreta lá ainda?
Paulo: De verdade eu não sei quanto tem lá no estoque não
Funcionário – (…) Nós já arrumava tudo aquele trem, deixava no jeito. O homem tá de férias né. Num ta aqui..
Paulo – Ah , esse filho da p* tá de férias é?
Funcionário – Agora era…hora boa de nós…
Paulo – Agora era…
Fonte: G1