Tramita no Tribunal Superior Eleitoral uma ação que pede a aplicação da inelegibilidade por oito anos da ex-presidente Dilma Rousseff, alvo de um processo de impeachment via congressual. Traduzindo: em consequência do impeachment, Dilma tem os direitos políticos suspensos temporariamente, não podendo, por exemplo, candidatar-se a senadora, deputada, presidente da República ou vereadora já em 2018 como estava nas suas cogitações (ela está mirando uma vaga no Senado, pelo Rio).
A rigor, seria aplicada a Dilma a punibilidade que alcançou o ex-presidente Fernando Collor de Melo. Ele enfrentou impeachment em 1992 na esteira de acusações que compunham o escândalo “PC Farias”. Além de perder o cargo, que passou a ser ocupado por Itamar Franco, o vice, Collor experimentou a inelegibilidade política por oito anos. Mandou-se para os Estados Unidos, depois voltou ao Brasil, candidatou-se ao governo de Alagoas e foi derrotado, depois disputou o Senado, onde está até hoje. Que se deu com Dilma? Deu-se que no afã de parecer benevolente, o senador Renan Calheiros, então presidente do Senado quando do julgamento da então presidente, sugeriu, uma vez consumado o impeachment, que não fosse aplicada a ela a pena de inelegibilidade prevista na Constituição. Pretextou que Dilma já havia sido punida com a perda do mandato.
Renan agiu de forma demagógica do ponto de vista do cumprimento ou da estrita interpretação da Constituição – tanto mais grave porque sugeriu uma emenda à Carta Magna, o que ruborizou o próprio ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, que presidia a histórica sessão com o desfecho do impeachment. Lewandowski preferiu não polemizar, limitando-se a dar “ciente” do recebimento da proposta de Renan. Mas a reação nos círculos jurídicos nacionais foi de espanto. Era como se a Constituição, tantas vezes estuprada, sobretudo no regime da ditadura militar, estivesse sendo rasgada mais uma vez ou jogada às favas.
Tanto foi inusitada a, digamos, “emenda Renan”, que o próprio Fernando Collor de Melo, presente à sessão, fez uso da palavra para reclamar da adoção de dois pesos e duas medidas, na analogia entre o seu caso e o caso de Dilma Rousseff. Relembrou Collor, então, o calvário a que foi submetido, praticamente tolhido no direito de cidadão, que é o de votar e ser votado. Ser votado ele não podia, por oito anos. E, sejamos verdadeiros ou honestos: cumpriu disciplinadamente a sanção imposta. Não esperneou, não esbravejou. Sabia que a punibilidade constava do texto da lei e que para ele, àquela altura um cão danado, não haveria nenhuma regalia, nenhum privilégio. Comportou-se de maneira surpreendentemente exemplar para quem o conheceu como político arrogante e impetuoso, características basilares de sua personalidade temperamental.
Quanto a Dilma, mesmo quando usufruiu a prerrogativa da liberdade de disputar mandatos em curto prazo, praticou uma infame coreografia, declarando-se em entrevistas à imprensa internacional vítima de um golpe de Estado via Parlamento no Brasil. Não teve honestidade para assumir seus erros, para encampar os erros cometidos pelo Partido dos Trabalhadores, muito menos para informar que a pena havia sido abrandada pela perspectiva de voltar à vida pública em pouco tempo. Dilma zombou das instituições, seguindo o figurino que Lula lhe recomendara: posar de vítima sempre.
E então? Então, forças ativas despertaram para aquele penduricalho enxertado pelo notável jurisconsulto Renan Calheiros na Constituição, permitindo a concessão de um privilégio a Dilma, qual seja o de não ter direitos políticos afetados. E está aí o curso dos acontecimentos, à espera do desfecho, que tem que ser rápido para que o processo de normalidade democrática perdure e que a Constituição seja respeitada pelos que prestam juramento perante ela. Justiça é uma coisa, injustiça é outra coisa.
Nonato Guedes
Créditos: Os Guedes