A judoca Majlinda Kelmendi, do Kosovo, chorou após o ouro neste domingo (7). O triunfo garantiu a primeira medalha do país, que só teve seu comitê olímpico nacional reconhecido pelo COI em 2014.
O caso é um exemplo de que, mais do que uma disputa entre atletas, os Jogos Olímpicos costumam refletir as tensões geopolíticas do mundo.
Antes de chegar à Olimpíada, Kosovo esteve envolvido em uma disputa territorialao se declarar independente da Sérvia em 2008. Até hoje, a nação não é reconhecida como soberana pela ONU.
Na história olímpica, delegações participaram da competição em circunstâncias controversas em mais de uma ocasião, seja representando países que ainda não eram plenamente reconhecidos como independentes, atletas expatriados ou nações divididas.
Na Rio-2016, além da participação dos kosovares, chamou a atenção a delegação formada por atletas refugiados. Confira outros casos:
REFUGIADOS
Além da estreia da delegação de Kosovo, país que ainda não é plenamente reconhecido pela ONU, um time formado por atletas refugiados participa da Rio-2016.
O time de atletas refugiados na abertura da Rio-2016Franck Fife/AFP |
A equipe é composta por dez atletas, vindos de quatro países diferentes, que tiveram de deixar suas nações de origem. Eles vão competir sob a bandeira olímpica –os cinco anéis coloridos sobre fundo branco.
A ONU estima que existam hoje, no mundo, cerca de 21 milhões de refugiados. É esse grande contingente populacional que os competidores representam.
COREIA UNIFICADA
Nos Jogos de Atenas-2004 e Sidney-2000, atletas da Coreia do Sul e Coreia de Norte participaram da cerimônia de abertura sob uma mesma bandeira, que mostrava o mapa de uma Coreia reunificada.
Em junho de 2000, os dois Estados haviam assinado um tratado que propunha a reaproximação, com planos de futura unificação nacional.
Coreia do Norte e Coreia do Sul participam juntas da abertura dos Jogos de Sidney Mike Blake/Reuters |
Durante ambas as competições, os esportistas representaram equipes diferentes. Entretanto, na festividade, formaram uma única delegação, com direito a dois porta-bandeiras, um de cada metade do país.
Desde então, porém, o fato não se repetiu. A Coreia está dividida desde a década de 50, após guerra que opôs o norte, alinhado à URSS, e o sul, que tinha apoio dos Estados Unidos.
TIMOR LESTE
Por décadas, o Timor Leste, país colonizado por portugueses no sudeste asiático, lutou pela independência.
Primeiro, conseguiu separar-se de Portugal em 1975, apenas para ser anexado pela vizinha Indonésia logo no ano seguinte. A independência definitiva só veio em 1999, depois de anos de guerra.
Atletas do Timor Leste participaram de Sidney-2000 com a bandeira de independentes Joel Saget – 15.set.2000/AFP |
Nos Jogos de Sidney-2000, atletas do país participaram dos Jogos pela primeira vez –ainda que sob a bandeira olímpica dos atletas independentes, já que a nação ainda não era formalmente reconhecida pelo COI.
PALESTINA
Em 1996, a Palestina disputou seus primeiros Jogos, depois de ser reconhecida como nação pelo COI em 1995.
Palestinos nos Jogos de Atlanta-1996Romeo Gacad – 16.jul.1996/AFP |
A participação aconteceu justamente em Atlanta, nos EUA –país que, ao lado de Israel, reluta em reconhecer a soberania do país no Oriente Médio.
Desde então, os palestinos disputaram todas as Olimpíadas. Para a Rio-2016, enviaram seis competidores.
URSS E APARTHEID
Os Jogos de 1992 testemunharam dois acontecimentos históricos.
Barcelona sediou a primeira Olimpíada após a dissolução da União Soviética (URSS).
Medalhistas de ouro na ginástica em 1992, atletas da CEI recebem cumprimentos de japonesesSven Creutzmann – 29.jul.1992/Associated Press |
A maioria dos países que formavam a URSS optaram por participar da competição sob a bandeira do Time Unificado, que reunia os membros da CEI (Comunidade dos Estados Independentes, bloco econômico que tentava integrar as antigas nações do bloco soviético).
Também foi em 1992 que a África do Sul voltou aos Jogos Olímpicos.
Elana Meyer (à esq.), na premiação da corrida de 10 km, em Barcelona-1992; ela foi a primeira atleta sul-africana a receber uma medalha ao fim do apartheid Deither Endlicher – 8.ago.1992/Associated Press |
Desde 1962, o país estava banido da competição graças ao regime racista do apartheid. Com a abolição das leis segregacionistas, a nação foi readmitida na disputa.
BOICOTES
Os Jogos de Moscou-1980 e Los Angeles-1984 foram marcados pela disputa de poder entre os Estados Unidos e a União Soviética, durante a Guerra Fria.
Em 1980, os norte-americanos lideraram um boicote e pediram que seus aliados não enviassem delegações para Moscou, como resposta a invasão do Afeganistão pela URSS, em 1979. Alemanha Ocidental, Japão e Canadá, entre outras nações, se ausentaram.
Atleta carrega a bandeira neutra que representou o Reino Unido em Moscou-1980Associated Press |
Além disso, certos países optaram por disputar os Jogos sem a bandeira de suas nações. Eles foram representados pelo estandarte olímpico na cerimônia de abertura e na distribuição de medalhas. Foi o caso de Austrália, França, Grã-Bretanha e Itáilia, entre outros.
Como resposta, em Los Angeles-1984, o bloco soviético não participou. Além da URSS, países como Alemanha Oriental, Cuba, Polônia e Hungria não participaram dos Jogos nos EUA.
ALEMANHA UNIFICADA
A divisão do país em ocidental e oriental, ao fim da Segunda Guerra Mundial, passou indiferente entre atletas alemães que competiram em três edições dos Jogos Olímpicos durante a Guerra Fria.
Nas Olimpíadas de Melbourne-1956, Roma-1960 e Tóquio-1964, as Alemanhas Ocidental e Oriental participaram com delegação única, conduzidas pela mesma bandeira, por pressão do COI.
A delegação unificada das duas Alemanhas em 1964Associated Press |
A bandeira era semelhante à da atual Alemanha, com a diferença de levar ao centro o símbolo dos cinco anéis olímpicos com a cor branca.
A delegação unificada foi interrompida na Cidade do México-1968, quando os países competiram separadamente. Foi assim até a reunificação alemã, com a queda do muro de Berlim, em 1989.
POLÊMICA CHINESA
Com o sucesso da revolução chinesa que colocou os comunistas no poder, em 1949, dissidentes que não concordavam com o novo regime fugiram para Taiwan, ilha próxima ao território continental da China.
Ainda assim, continuaram reivindicando ser o governo legítimo do país —postura que mantém na politica internacional até hoje.
Nas Olimpíadas, a divergência se expressou a partir dos Jogos de Melbourne-1956, quando Taiwan almejava mostrar-se ao mundo como a China “verdadeira”.
Taiwan na abertura dos jogos de Los Angeles-198428.jul.1984/Associated Press |
Atletas nascidos na ilha competiram sob a bandeira da República da China, enquanto a socialista República Popular da China ficou ausente dos Jogos.
Isso mudou em Moscou-1980, com a primeira participação da República Popular da China em uma Olimpíada.
Taiwan boicotou essa edição —junto com EUA e outros países, durante a Guerra Fria— e voltou a participar em Los Angeles-1984, com o nome de Taipé Chinesa, que é utilizado pelo país na maioria das competições esportivas desde então, incluindo a Rio-2016.
COREIA DIVIDIDA
Após se emancipar do Japão, com a derrota deste país ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Coreia do Sul participou da Olimpíada de Londres-1948 pela primeira vez como um Estado independente.
A Guerra da Coreia (1950-53) não havia começado e os territórios ao norte e ao sul da península coreana ainda não haviam rompido relações oficialmente, apesar de já refletirem as tensões da Guerra Fria.
União Soviética e EUA influenciavam a política local e a divisão em dois países já era discutida à época.
Ainda que a delegação, em tese, representasse as duas Coreias, apenas atletas do sul disputaram os Jogos.
Mesmo com tentativas de conciliação entre Norte e Sul na ONU e em Pyongyang, o conflito entre as partes viria a eclodir. Coreia do Sul e Coreia do Norte seguiram separadas nas edições seguintes dos Jogos.
Fonte: FOLHA
Créditos: GUILHERME ZOCCHIO E RODRIGO MENEGAT