REGULAMENTAÇÃO

POLÊMICA -Regulamentação da prostituição confronta prostitutas e feministas radicais

Projeto de lei enfrenta o Congresso mais conservador da história do Brasil e a oposição de um grupo de mulheres à legalização das casas de prostituição

PROSTITUIÇÃO 2

A chegada da Olimpíada no Rio esquentou o debate sobre a prostituição e abriu um embate entre prostitutas, acadêmicos e feministas. Em discussão está a regulamentação da profissão em um país onde prostituir-se é legal e reconhecido desde 2002 pelo Ministério do Trabalho. Mas onde os milhares de bordéis, boates e clubes espalhados pelo Brasil configuram crime de rufianismo (exploração de sexual de terceiros ou terceiras visando lucro) castigado com até quatro anos de prisão.

A Rede Brasileira de Prostitutas e a Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais abriram a discussão para acelerar a aprovação de um projeto de lei que abre uma janela à regulamentação do ofício. É oGabriela Leite – em homenagem à principal ativista dos direitos das prostitutas – que em cinco artigos propõe algumas normas para regulamentar uma das profissões mais estigmatizadas do mundo.

O projeto de lei contempla uma modificação do Código Penal onde prostituição e exploração sexual aparecem quase necessariamente associadas. O texto especifica que só deve ser considerada exploração sexual a coação para se prostituir ou a prostituição exercida por menores de 18 anos – o que já é crime –, o não pagamento por serviços sexuais e a apropriação de mais do 50% por parte de terceiros do serviço sexual. O projeto também legaliza as casas de prostituição sempre que nelas não se exerça exploração sexual e contempla a aposentadoria dos trabalhadores sexuais após 25 anos.

O projeto, que data de 2003, foi resgatado em 2012 pelo deputado do PSOL Jean Wyllys e foi discutido com as prostitutas. Tem poucas chances de ser aprovado no Congresso mais conservador da história do Brasil, mas militantes feministas, que reivindicam que o debate sobre a prostituição pertence a todas as mulheres, iniciaram sua própria batalha contra o texto por considerá-lo a “legalização da cafetinagem”.

“A regulamentação legitima a mercantilização do corpo feminino. O projeto se atém a tirar da ilegalidade as casas de prostituição e os exploradores, e coloca o Brasil como polo de exploração sexual de mulheres. O projeto é fraco e o discurso é de cafetinagem, não da mulher explorada”, lamenta Maria Gabriela Saldanha, escritora, militante feminista e férrea detratora do projeto de lei. “Não há um país onde a regulamentação tenha dado certo. Nós precisamos nos ater a políticas públicas para acolher mulheres que desejam sair ou para evitar que entrem na prostituição”, completa Saldanha. “Seria mais honesto fazer um grande debate público e pensar nessas políticas públicas”, complementa.

Wyllys critica essa visão. Para ele, um  setor do feminismo acabou se alinhando às bancadas mais conservadoras do Congresso. O deputado defende que a proibição atual dos bordéis não impede que continuem funcionando, “da mesma maneira que a criminalização da maconha não impede que ela continue sendo vendida”, e afirma que nas casas de prostituição, “que funcionam porque pagam propina às autoridades”, as prostitutas e os garotos de programa não têm nenhum direito, “ficam desprotegidos e submetidos a todo tipo de abusos, além de não ter nenhuma fiscalização”.

Os cinco artigos do Gabriela Leite são objetivamente insuficientes para regulamentar uma profissão tão complexa como a prostituição – para se ter uma ideia o projeto de lei que regulamentou o trabalho doméstico consta de 46 artigos –, mas para seus defensores é um primeiro passo para enquadrar o negócio dentro da lei. “Trata-se de regulamentar algo que já existe, acabar com a extorsão policial, entre outras coisas. Com a lei vai se abrir uma janela para novos vínculos trabalhistas dos trabalhadores sexuais com os clubes, vai empoderar as prostitutas”, defende Indianara Siqueira, transexual, prostituta e militante.

O debate, que atingiu altos níveis de confronto nas redes sociais, pode ser em vão se for aprovada a reforma do Código Penal que tramita no Senado. Entre as mudanças propostas em mais de 400 páginas que abrangem de crimes eleitorais a crimes de trânsito está a possibilidade de encaixar a prostituição em mais um vazio legal. Se aprovado como está agora, o novo Código não regulamenta a profissão, mas descriminalizaria o rufianismo e as casas de prostituição.

Créditos: EL PAÍS