OPINIÃO

O auto-impeachment que Dom Aldo cavou - Por Cláudia Carvalho

Dom Aldo di Cillo Pagotto é um polemista nato. Desde que chegou à Paraíba com a difícil missão de suceder dois religiosos afinados com o povo e simpatizantes das lutas populares (Dom José Maria Pires e Dom Marcelo Carvalheira), começou a criar contradições explícitas. Talvez a primeira delas tenha sido a proibição aos casamentos suntuosos nas igrejas paraibanas e à celebração fora dos ambientes católicos. Em tese, ele teria razão ao pregar que a gastança era supérflua. Mais tarde, contudo, perceberíamos que Pagotto tinha mais em comum com as elites gastadeiras que com os cristãos de economia modesta.

Também foi uma bandeira de Dom Aldo proibir que padres participassem da política partidária. Mesmo tendo em Frei Anastácio e Luiz Couto, ambos do PT, dois representantes ilibados no legislativo estadual e federal, o então chefe da Igreja Católica paraibana não pensou duas vezes e virou piada. À boca miúda, comentava-se que a ideia de Pagotto era de que padre nem frade podia ser político porque isso era prerrogativa exclusiva do Arcebispo. E não tardou para que ele aparecesse em tantos guias eleitorais quanto pudesse. Anos depois, voltou atrás e disse que não voltaria a dar as caras no horário gratuito. Naquele momento, já havia visitado o ex-prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PSDB) quando de sua prisão no Centro de Ensino da PM em decorrência da Operação Confraria. Também havia chorado em frente às câmeras de TV quando o então governador Cássio Cunha Lima (PSDB) foi cassado. Chamou até José Maranhão (PMDB), sucessor de Cássio, de “usurpador”. Ano passado, foi às ruas em meio aos defensores do impeachment de Dilma Rousseff (PT), enrolou-se numa bandeira do Brasil e mais uma vez deu demonstrações claras de seu posicionamento político coerente. Sempre conservador.

Em mais uma contradição evidente, o arcebispo que deixa a Paraíba afirmou em carta aberta ter sempre se voltado à promoção da comunhão na caridade. Mas, cumpre lembrar que até sua gestão, a Arquidiocese abrigava dezenas de movimentos sociais que foram obrigados a encontrar outro teto. Ele também defendeu o trabalho infantil e a redução da maioridade penal.

Dom Aldo, o mesmo que condenou o que ele fazia questão de chamar de homossexualismo (contrariando o entendimento oficial, da Organização Mundial de Saúde que, mesmo tardiamente, em 1990, confirmou que a homossexualidade não é doença e, portanto, não merece o sufixo “ismo”) deve ter sofrido ao ler a manchete infeliz da Agência Brasil. “Papa aceita saída de arcebispo brasileiro acusado de ser gay”.

Acusado de perseguir vários padres, normalmente de sandálias gastas e simpatizantes das causas sociais menos assistidas, Dom Aldo se queixou na saída de ter sido ingênuo ao acolher seminaristas e padres para dar-lhes outra chance. “Acolhi padres e seminaristas, no intuito de lhes oferecer novas chances na vida. Entre outros, alguns egressos, posteriormente suspeitos de cometer graves defecções, contrárias à idoneidade exigida no sagrado ministério. Cometi erros por confiar demais, numa ingênua misericórdia”. Eis nova contradição no critério de escolha do ex-arcebispo.

Foi uma passagem rumorosa e polêmica. Contudo, desde Sobral, no Ceará, Dom Aldo já tinha uma reputação parecida. Dizia-se à época que agira para coagir testemunhas e evitar repercussão negativa para padres envolvidos em denúncias sexuais. Falava-se, inclusive, que a promoção para a Paraíba seria um prêmio por sua dedicação à operação abafa. Atualmente, embora a prática de Dom Aldo tenha se mantido a mesma, a igreja, sob a batuta do Papa Francisco, mudou. Graças a Deus.

Duas ressalvas antes do fim.

Não há o que comemorar na renúncia de Pagotto. Os acontecimentos foram tristes para a igreja e, certamente, também para ele que deve viver a maior contradição interna, um duelo barroco entre o que gostaria de ser e o que é. O título da coluna é uma referência clara a um trecho de “O mundo é um moinho” de Cartola. Reza a lenda que foi feita para uma enteada do artista que pretendia sair de casa para perseguir objetivos que apenas em sua cabeça pareciam poder dar certo.

A outra é que não se deve confundir ou ligar homossexualidade e pedofilia. A afeição entre adultos do mesmo sexo não é problema. O sexo não consentido, sim, em qualquer idade. E envolvendo menores, nem mesmo com consentimento pode ser consumado, seja com meninos ou meninas. A pedofilia, infelizmente, existe entre heteros e gays e não é uma consequência da homossexualidade.

Boas vindas a Dom Genival. Que venha e permaneça em paz numa igreja acolhedora, tolerante e inclusiva, como prega o Papa Francisco.

Créditos: PARLAMENTOPB