Os britânicos tomaram nesta quinta (26) a decisão histórica de se separarem da União Europeia, o bloco político e econômico que hoje congrega 28 países e ao qual aderiram em 1973. O processo ainda precisa passar pelo Parlamento, mas um veto pelos legisladores é considerado suicídio político.
O processo de negociação da ruptura, estimam analistas, deve levar dois anos.
Com votos de 87% dos distritos do Reino Unido apurados, a opção por deixar a União Europeia prevalecia, abalando mercados financeiros e provocando uma onda de choque e incredulidade global.
As principais redes de TV britânicas —BBC, Sky News e ITV— projetaram a vitória da saída logo após as 4h30 de Londres (0h30 do Brasil).
No início da madrugada do Brasil, manhã na Ásia, a libra atingiu sua pior cotação em 31 anos frente ao dólar, US$ 1,34. As consequências econômica de uma saída devem se estender para o comércio -com prejuízo maior para Londres do que para Bruxelas, já que os britânicos dirigem metade de suas exportações à UE.
Pesquisa do instituto YouGov divulgada logo após o fim da votação apontava 52% para a permanência e 48% para a saída da UE -sinal de quão acirrada foi a disputa.
Esta não seria, porém, a primeira vez que os institutos britânicos errariam resultados. O mesmo ocorreu nas eleições gerais de 2015.
A consulta popular registrou índice histórico de comparecimento —71% do eleitorado— e recorde de 46,5 milhões de eleitores registrados.
O resultado oficial só seria anunciado na manhã desta sexta (24), madrugada no Brasil. Até 1h05 (hora de Brasília), com 336 dos 382 distritos tendo declarado seus resultados, a opção por deixar a UE tinha 51,8% dos votos, e a permanência, 48,2%.
Embora o cenário ainda fosse reversível, mas a tendência se manteve constante desde o início da apuração.
O premiê conservador, David Cameron, principal fiador do voto pró-UE, não havia se manifestado. Em caso de vitória da saída, sua liderança no Partido Conservador e o cargo de premiê poderão ser contestados.
Seu maior rival na disputa, Boris Johnson, ex-prefeito de Londres e líder da campanha pró-saída, tampouco havia falado. Já o líder do partido ultranacionalista Ukip, que defende a saída, ensaiava celebrar no final da noite.
“Agora ouso sonhar que o amanhecer de um Reino Unido independente está chegando”, tuitou duas horas após dizer que “a permanência ficaria na frente”.
A campanha do plebiscito foi influenciada nos últimos dias pelo assassinato da deputada trabalhista Jo Cox, pró-Europa, por um ultranacionalista, dia 16. Até então, a saída levava ligeira vantagem na margem de erro.
EFEITO DOMINÓ
Foram 15 horas de votação sob chuva, com alagamentos e interrupções no transporte.
O placar expõe um país dividido e, segundo analistas, despertará um sentimento anti-UE continente afora.
Há risco de efeito dominó em outros países do bloco, que podem imitar a consulta popular para obter vantagem em negociações, e de impulso a movimentos separatistas como o escocês e o catalão.
O professor de política Tim Bale, da Universidade Queen Mary, de Londres, pondera que o “efeito dominó” tem mais força se o Reino Unido deixar efetivamente o bloco -um processo que, após a consulta popular, ainda precisaria ter aval do Parlamento e envolveria ao menos dois anos de negociações.
Ainda que não signifique o início de um potencial desmonte, há muitos europeus interessados em, ao menos, debater benefícios e potenciais problemas caso seus países decidam deixar a UE.
Pesquisa feita pelo instituto Ipsos Mori com 6.000 pessoas em nove países europeus em março e abril deste ano indicou que 45% dos entrevistados apoiam a ideia de se fazer uma consulta popular em seu próprio país, e um terço disse que votaria para sair do bloco.
A maioria dos franceses e italianos ouvidos concordam com um plebiscito. O instituto ouviu ainda cidadãos de Suécia, Espanha, Bélgica, Hungria, Polônia, Alemanha e do próprio Reino Unido.
Além do ceticismo quanto ao bloco, o plebiscito no Reino Unido despertou outro sentimento entre os europeus: o de não ser bem-vindo entre parte dos britânicos.
Cerca de 3 milhões de cidadãos de países-membros do bloco vivem no Reino Unido, e aproximadamente 2 milhões de britânicos estão nos outros 27 países da UE.
O livre trânsito de cidadãos da UE, uma das prerrogativas do bloco, transformou-se em um dos pontos de maior apelo durante a campanha do plebiscito. Favoráveis ao Brexit defendem que os imigrantes sobrecarregam o sistema de saúde, baixam os salários e “roubam” empregos.
Por isso, analistas avaliam que haverá muitas feridas a curar no Reino Unido após a votação. A disputa rachou o Partido Conservador e expôs fragilidades do Trabalhista. A briga nas duas principais legendas continuará.
Créditos: Folha