CURRICULO

Inexperiente, Dunga teve as chances que mulheres mais preparadas que ele nunca conseguiram na CBF

A seleção brasileira masculina tem colecionado vexames desde o fatídico 7×1 para a Alemanha até o mais recente deles, a derrota por 1 a 0 para o Peru que culminou em uma eliminação na primeira fase da Copa América do Centenário em um grupo com HAITI, EQUADOR E PERU.

Sobrou para quem nunca deveria ter estado lá. Dunga – que sabemos, é só a ponta do iceberg de problemas que temos no futebol brasileiro – foi demitido pela segunda vez de um cargo que nunca deveria ter ocupado. Explico: Dunga é o pior técnico do Brasil? Provavelmente não, mas a pergunta que deve ser feita aqui é uma anterior a essa: Dunga é técnico? Desde quando?

Foi em 24 de julho de 2006, quase 10 anos atrás, que o capitão do tetra ganhou sua primeira chance na seleção brasileira. Não, vamos reformular: foi em 2006 que Dunga ganhou sua primeira chance de SER TÉCNICO. Em um anúncio que pegou quase todo mundo de surpresa, a CBF colocou uma pessoa que nunca havia exercido essa função na vida, nem mesmo no time dos filhos ou do condomínio, para comandar a seleção brasileira.

A seleção, que representaria o ápice da carreira de qualquer treinador, foi entregue a um cara que sequer treinador era. Seria como se eu tivesse saído da faculdade de Jornalismo e fosse colocada para substituir a Fátima Bernardes no Jornal Nacional.

Mas o mais interessante disso é que Dunga é a prova de que existem dois pesos e duas medidas quando o assunto é futebol. Porque existem mulheres, ex-jogadoras ou não da seleção brasileira, que trabalham como técnicas, fizeram cursos para isso, buscam ao máximo se preparar e…nunca tiveram chance sequer de fazer parte da comissão técnica da seleção feminina – que, por sinal, é formada apenas por homens, diga-se. E o motivo para nunca terem tido essa chance, segundo a CBF, é porque elas “não têm experiência”. Será que não? Aliás, e Dunga, qual experiência tinha?

O maior exemplo delas é Sissi. Uma das maiores jogadoras que o futebol feminino já viu. Reverenciada no mundo todo – menos aqui no Brasil, seu berço -, ela foi morar nos Estados Unidos, o país do futebol feminino, onde é técnica há pelo menos 12 anos, tendo passagem por colleges e clubes, trabalhando com meninas de várias idades, desde as categorias de base até o profissional.

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Um dos clubes que Sissi treinou nos EUA. Ela também já foi técnica de Las Positas, Solano, DVSC e Walnut Creek

Quer dizer, além de ter sido uma jogadora de sucesso, Sissi buscou se preparar, se formou treinadora e trabalha hoje no lugar que é a maior referência do futebol feminino mundial, o país que é número 1 no mundo nessa modalidade. Então por que ela não ganha uma chance sequer de fazer parte da comissão técnica do Vadão – que, por sua vez, nunca trabalhou com futebol feminino antes de ter a chance de assumir a seleção feminina?

O interessante é que, quando a CBF é questionada sobre a falta de oportunidades para mulheres na comissão, a desculpa é sempre a mesma. “Elas precisam estudar, se preparar, não basta ser ex-jogadora”.

Curioso, porque, para Dunga, bastou. Ele foi chamado para comandar a seleção brasileira em 2006 sem ter tido nenhuma experiência anterior na função. Mais: ele foi chamado de novo para o cargo em 2014, justamente após o 7×1, ainda sem experiência – o máximo que conseguiu de 2010 até lá foi comandar o Internacional por 9 meses.

Então se Dunga, sem experiência alguma, foi considerado “competente” para assumir o cargo principal de comando da seleção brasileira, por que uma mulher como Sissi, que tem experiência e conhecimento, não é “competente” o suficiente sequer para integrar uma comissão técnica?

A única oportunidade que ela teve foi no ano passado, quando foi convidada para ser assitente pontual da seleção nos amistosos que o Brasil fez nos Estados Unidos. Ela não cabia em si de tanta felicidade. Mas foram dois jogos, e só.

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O dia em que Sissi foi chamada para ser assistente pontual da seleção

Pouca valorização

Emily é outra técnica renomada no futebol feminino, com passagem por Portuguesa, Juventus e, finalmente, a seleção brasileira. A primeira e única mulher que já conseguiu o feito. Ela comandou as seleções sub-15 e sub-17 por lá em 2014, mas, por questões financeiras, não conseguiu resistir por muito tempo. A seleção não pagava a ela um salário mensal, só pagava quando havia competições.

“Eu passei a viver uma vida de status. Uma vida de só por ser treinadora da seleção. E eu não queria isso, eu queria trabalhar. A gente convocava em janeiro e depois só ia convocar em abril, maio. Então como alguém vive dessa maneira? Eu tinha contas para pagar”, disse Emily às dibradoras no ano passado.

“Quando eu estava no Juventus, estava muito melhor financeiramente do que quando eu estava na seleção. Achei que minha vida ia melhorar em todos os sentidos quando eu fosse pra seleção. E não precisa ser muito, não. Só pra você se manter. Como eu tinha no Juventus, eu era registrada, recebia todos os direitos. E na CBF a gente não era (registrada). Eles alegavam que não tinham dinheiro. E de repente surgiu a seleção permanente, surgiu a comissão técnica do Vadão.”

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Emily deixou, então, as seleções de base e foi trabalhar no São José, onde já conquistou o título do Campeonato Paulista em 2015 e o vice do Brasileiro no mesmo ano. E o Brasil perdeu a chance, mais uma vez, de ter uma mulher experiente trabalhando na seleção, uma mulher que realmente sabe o que é o futebol feminino, tanto como jogadora, quanto como treinadora.

Futuro

O que falta para que mulheres tenham mais chances em posições de comando técnico no Brasil? Perguntamos isso também em 2015 ao coordenador de futebol feminino da CBF, Marco Aurélio Cunha. Ele voltou a bater na tecla da experiência.

“É preciso ter mulher preparada, capacitada. O que acontece é que aquelas que terminaram a carreira, salvo raras exceções, não continuaram na atividade porque economicamente não era viável”, disse.

“Acho que sempre é bom a gente ouvir nomes importantes do meio. Mas não dá pra pedir a opinião de alguém que parou de jogar há 20 anos e não fez mais nada no futebol.”

Até dá, né? E Dunga foi a prova disso. Talvez a diferença aí seja que ele é um homem – e elas são “apenas” mulheres.

Fonte: Dibradoras