Cultura do Estupro

Meu filho não pode ser punido por um "ato de 20 minutos", afirma pai de estuprador

estuprador

O pai de um estuprador, ex-aluno de uma das universidades mais prestigiadas dos EUA, está causando revolta no país. Ele afirmou que seu filho, Brock Allen Turner, não merecia ir para a prisão por causa de um “ato de 20 minutos”.

Em janeiro de 2015, dois alunos da Universidade de Stanford flagraram o estudante, então um calouro na instituição, estuprando uma mulher seminua e inconsciente atrás de uma lixeira. Em março deste ano, um júri na Califórnia considerou o americano de 20 anos culpado das acusações de estupro. A vítima, uma mulher de 23 anos, não foi identificada para preservar sua privacidade.

Responsável por determinar a sentença, o juiz Aaron Perksy poderia dar até 14 anos de prisão ao estuprador. Porém, ele condenou o jovem a seis meses numa cadeia local, seguidos de mais três meses em liberdade condicional.

Para elaborar a sentença, o juiz levou em conta, como atenuantes do caso, uma carta do pai do criminoso lida durante o julgamento, outras boas referências de caráter, sua idade, o “papel do álcool no crime” e o fato de que era réu primário.

A carta do pai, lida no tribunal e agora tornada pública, diz que “seu filho nunca mais será feliz do mesmo jeito, com sua personalidade agradável e um belo sorriso”, “é um preço alto a pagar por 20 minutos de ação numa vida de 20 anos”. O texto também diz que ele “nunca foi violento”. A carta ainda afirma que o crime é resultado de “um ciclo de bebedeira no campus e seus resultados infelizes”.

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fala do pai contrasta ainda mais com a da vítima, que também teve uma carta lida no tribunal. Ela, que não se identificou, relata que o ataque a deixou a feriu emocionalmente.

“Minha independência, alegria natural, gentileza e estilo de vida se tornaram distorcidos além do que posso reconhecer. Me fechou, me tornei uma pessoa com raiva, autodepreciativa, cansada, irritável, vazia”, diz ela.

A mulher também questiona a intenção do estuprador de estabelecer um programa para alunos de ensino médio contra a “cultura da bebedeira nos campi e a promiscuidade associada a isso”.

“Cultura da bebedeira no campus. É contra isso que estamos protestando? Você acha que é contra isso que passei o último ano lutando? Não contra ataques sexuais nas universidades, ou estupro ou aprender a reconhecer consentimento, mas contra a cultura da bebedeira no campus. Chega de Jack Daniels, abaixo a vodca. Se você quer falar com as pessoas sobre beber, vá para os Alcoólicos Anônimos. Você entende que ter um problema com bebida é diferente de tentar ter sexo com alguém contra sua vontade? Ensine aos homens a respeitarem as mulheres, não beber menos”.

Você pode ler a íntegra da carta da vítima aqui:

carta da vítima

Críticas jurídicas e na imprensa

O promotor Jeff Rosen, responsável pela acusação no caso, também criticou a decisão do juiz.

“A punição não se encaixa com o crime. A sentença não leva em consideração a real seriedade do ataque sexual ou o trauma para a vítima. Estupro no campus não é diferente de estupro fora do campus. Estupro é estupro”, diz ele.

Já o jornal local San Jose Mercury News, que primeiro falou do caso, chamou a sentença em editorial de “um tapinha na mão”.

O caso, que se tornou notícia nacional nos EUA, aumentou a atenção para estupros em universidades americanas. A decisão chega num momento em que políticos e ativistas em todos os EUA tem denunciado a cultura de violência sexual nos campi.

Uma recente pesquisa da Casa Branca mostrou que 10% das estudantes passaram por algum tipo de ataque sexual e que apenas 12,5% dos estupros são relatados à polícia, exatamente por medo de como a vítima será tratada.

A Universidade de Stanford tem sido criticada pela maneira com que lida com casos de estupro e pune agressores. Estudantes exigem mudanças no sistema desde o ano passado, quando uma aluna veio a público contar que o sistema disciplinário não puniu seu agressor.

Na Califórnia, lei define consenso sexual

Em 2014, a Califórnia se tornou o primeiro estado americano a exigir dos estudantes de universidades financiadas pelo governo que se assegurem de ter a aceitação clara do parceiro ou da parceira antes de qualquer atividade sexual.

O governador Jerry Brown assinou o projeto de lei “Sim significa sim” (“Yes means yes”) em setembro de 2014. A lei estipula que é a autorização voluntária (sem uso de força ou persuação) que define o consentimento e não uma “falta de resistência” ao ato. Assim, o decreto também protege diretamente pessoas que, sob efeito de drogas ou álcool, ficam incapazes de dizer “não”.

A lei “Sim significa sim” (uma resposta ao famoso slogan “Não significa não”, usado em protestos contra estupro) é a primeira nos Estados Unidos a fazer da clara comunicação do consentimento o conceito central das políticas de agressão sexual em escolas e campi. O projeto define “consentimento” como “um acordo positivo, consciente e voluntário de se envolver em uma atividade sexual”.

A lei também estabelece que o silêncio ou a falta de resistência não significam consentimento e que drogas ou bebidas alcoólicas não são “justificativas” para uma atividade sexual indesejada. Vítimas alcoolizadas ou drogadas não estão aptas a darem um consentimento consciente.
Créditos: O Globo