Rubens Nóbrega
Araponga Xis chegou exultante ao escritório. Sorriso aberto, esfregando as mãos de contentamento, não se agüentou e anunciou que soltaria uma bomba de dois milhões de megatons na reunião convocada pelo Araponga Mor para logo mais.
Incomodado com tamanho amostramento do colega, Araponga Ípsilon desdenhou da bomba de Xis. “Essa aí deve ser um traque perto da minha e vou provar isso durante a reunião, na frente de todo mundo”, garantiu, fazendo pose de desafiante. O embate anunciado aumentou a curiosidade e a ansiedade de todo o resto da turma do escritório. Pela primeira vez, desde o início da gestão, daria quorum qualificado no encontro semanal do SRI – Serviço Real de Informações.
Dois ou três minutos depois, faltando pelo menos meia hora para o início da reunião, o ambiente foi impactado pela chegada do Araponga Mor, um cara de metro e oitenta de altura, branco que só vela, jeitão meio desengonçado e voz melíflua.
Arapongas de todos os escalões, presentes à entrada do chefe, ficaram de pé no ato, em posição de sentido e de respiração presa.
E assim ficaram até o Mor entrar e se trancar em seu gabinete na companhia do Apontador e do Anotador. Mor impunha temor a seus subordinados. Além de reconhecido linha dura do regime, o homem era assim assim com o rei. E, o mais importante, capaz de sangrar a jugular de qualquer um que se atrevesse a contrariar a vontade real.
Por essas e outras, quando tocou a campainha chamando a reunião, num átimo lotou o pequeno auditório vizinho ao gabinete de Mor, que abriu os trabalhos perguntando se alguém tinha alguma comunicação importante a fazer. Araponga Xis mexeu-se na poltrona, pigarreou, ficou de pé e pediu a palavra. Com ar solene, pegou uma pasta da qual retirou vários papéis e informou que tinha feito uma descoberta surpreende acerca de poderoso inimigo do rei.
– Chefe, colegas aqui presentes, eu descobri nada mais nada menos que aquele procurador tem Araruna no nome! Isso mesmo: A-ra-ru-na. E o que isso quer dizer? E o que isso significa? Hem? Hem?
A revelação provocou verdadeiro frisson no ambiente. Tanto que alguém do fundão puxou palmas e no mesmo instante foi seguido pela maioria. A alegria só não entusiasmou Araponga Mor e o despeitado Araponga Ípsilon. E quando a platéia percebeu que o Mor ficara impassível diante da bombástica revelação, recolheu ligeirinho os flapes, as mãos e os vivas. Sobreveio silêncio constrangedor. Um encabulado Xis, olhando aflito para o chefe, arriou na cadeira. Outra vez sentado, arriscou perguntar:
– Eu disse alguma besteira, amado Mor?
– Total, Xis, total. Ou você acha que a gente não sabia nem desconfiava? Ou nos acha tão incompetente ao ponto de a gente não procurar levantar a ficha completa de um indivíduo de tão alta periculosidade para o regime?
– Desculpa aí, chefe, mas pensei que como o pessoal só falava no prenome e no nome do meio, ninguém mais saberia ou não estaria atento para o fato de que se ele carrega no nome o nome da terra natal do grande inimigo do grande chefe.
– Pois pensou errado. E ainda vem pra reunião com claque ensaiada, é? Só me faltava essa. Bem, vamos deixar de conversa fiada porque se alguém mais não tiver a dizer alguma coisa que preste, vou direto ao que interessa.
Mal terminou a frase, viu Ípsilon de mão erguida, pedindo a palavra. Que foi concedida sob clara e enérgica advertência. “É bom que seja alguma coisa séria, de proveito. Viu, Seu Ípsilon?”.
– Pode deixar, chefe, pode deixar. Seguinte: eu proponho que a gente comece a montar o dossiê desse tal Felipe da Cruz Vermelha Internacional. Esse cara não pode prestar. Olha só, eu descobri que ele se chama Felipe Danoso. Com um nome desse…
– É Donoso, imbecil! – gritou o Araponga Mor, vermelho que só a Cruz, indagando-se interiormente se não estaria rodeados de idiotas rematados que poderiam botar a perder todo o planejamento estratégico da arapongagem do reino. Enquanto tentava se acalmar, Mor ouviu, enfim, a única sugestão válida e interessante para o trabalho de sua equipe. A sugestão veio do ponderado Araponga Zê, que trouxe para reunião proposta de trabalho bem consistente.
– Chefe, quando passava ontem pelos Bancários vi que tem um cachorro quente lá pertencente a um tal JM. Não seria o caso de a gente dar uma checada, não? Quem sabe mandar uma viatura do Fisco fazer uma visita ao estabelecimento…
– Boa, Zê. Muito bem. É isso aí. É assim que se trabalha. Você mesmo fica encarregado de acionar a fiscalização.
Satisfeito, Zê pediu permissão para se retirar porque pretendia começar naquele mesmo instante a sua missão. Mas foi interrompido por Araponga Xis, que, tentando se recuperar do fiasco, insinuou que poderia dar em nada a inspeção fiscal.
– Ora, Xis, se não der em nada a ida do Fisco, a gente manda depois a Vigilância Sanitária. Só não pode é deixar uma lanchonete com esse nome ficar impune, não é mesmo? – retrucou Zê.
– Esse é o meu garoto! – brincou Mor, que já se preparava para dar um fecho aos trabalhos quando o celular vermelho estrilou. Ele conferiu que se tratava de ninguém menos que o imperador, chamando. Os presentes sabiam que chamada pelo celular vermelho era importantíssima. Tanto que ficaram aguardando caladinhos o chefe terminar de falar com o monarca. Ao final da ligação, Mor voltou-se para seus auxiliares e deu a ordem:
– Atenção, eu quero que vocês me façam até o final da tarde um levantamento completo na folha de pessoal. E deletem todos aqueles que tiverem o sobrenome Carneiro. É expurgo completo, galera. Ao trabalho! E está encerrada a reunião.